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Renascença Psicadélica do Século XXI

Para informações mais detalhadas sobre este tema, por favor consulte o capítulo “História da investigação médica com psicadélicos” do nosso manual “Psicadélicos em Saúde Mental”.

Assistimos atualmente a um ressurgimento da investigação médica e científica sobre o potencial terapêutico das substâncias psicadélicas. Múltiplos estudos recentes proporcionaram um conjunto de resultados que sugerem que algumas substâncias psicadélicas demonstram eficácia substancial para diversas condições psiquiátricas graves, para as quais se verifica concomitantemente uma limitada eficácia das terapias (farmacológicas ou psicoterapêuticas) convencionais aprovadas. Como resultado, e a título de exemplo, os ensaios clínicos atualmente em curso da psicoterapia assistida pela psilocibina receberam a designação Breakthrough Therapy pela Food and Drug Administration (FDA), que poderá resultar, muito em breve, na aprovação médica desta terapia para a depressão major e/ou depressão resistente ao tratamento. A par da psilocibina, ao longo das últimas duas décadas, estudos clínicos com 3,4-Metilenodioximetanfetamina (MDMA), uma substância psicadélica não-clássica e sintética, têm vindo a demonstrar o seu papel promissor enquanto potencializador psicoterapêutico em doentes com Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), tendo a Psicoterapia Assistida por MDMA inclusivamente recebido em 2017 a designação de Breakthrough Therapy pela FDA e a sua aprovação para uso clínico prevista para 2023.

Após um longo hiato na pesquisa clínica, um dos desenvolvimentos recentes mais estimulantes e encorajadores neste campo foi o retorno dos ensaios clínicos em humanos com recurso a substâncias psicadélicas. A psicoterapia assistida por psicadélicos viu um renascimento encorajador com os ensaios clínicos promovidos desde a primeira década do século XXI, que não só se justifica pela quebra de preconceitos e estigmas da sociedade nos últimos 20 anos, mas, sobretudo, pela relativa letargia e limitações da Psiquiatria e dos seus tratamentos nas últimas décadas, particularmente se comparado às restantes áreas da Medicina. De facto, apesar de as perturbações psiquiátricas contribuírem grandemente para a carga global de morbilidade com grande impacto a nível socioeconómico, a investigação e desenvolvimento no âmbito da psicofarmacologia, uma das grandes ferramentas terapêuticas em Psiquiatria, tem vindo a decrescer significativamente.

Assim, talvez não seja de estranhar que tenhamos assistido a um incremento substancial de literatura científica sobre substâncias psicadélicas – particularmente marcado nos últimos 15 anos - e da sua publicação em revistas de internacional prestígio. Contribuindo para essa tendência, está o facto de os neurocientistas atualmente terem à sua disposição de uma vasta série de técnicas modernas de imagem cerebral que utilizam no estudo das substâncias psicadélicas, permitindo novos e valiosos entendimentos sobre os seus mecanismos cerebrais, incluindo correlatos neurofisiológicos dos seus efeitos psicológicos únicos.

No geral, estudos com uso de substâncias psicadélicas clássicas (ou serotoninérgicas), assistidas por psicoterapia, têm evidenciado segurança e viabilidade destas terapias como métodos eficazes no tratamento de depressão/sintomas depressivos, ansiedade, perturbação obsessivo-compulsiva e perturbações relacionados ao uso de tabaco e álcool. É importante ressalvar estes estudos têm vindo a ser conduzidos de acordo com as diretrizes que garantem uma adequada segurança, não tendo sido relatado qualquer evento adverso grave, estando descritos alguns efeitos laterais, geralmente transitórios e autolimitados, como ansiedade, cefaleia e náusea.

Assim, ainda que algumas subculturas pró-psicadélicas estejam a promover visões de algum modo utópicas para a sociedade com base em resultados de investigações que, embora promissoras, são na grande maioria preliminares, torna-se premente que se aprenda com os erros do passado. Para isso, mais ensaios clínicos randomizados são necessários para replicar e estender os resultados promissores dos ensaios abertos e para melhor compreender as contraindicações e outros riscos potenciais destas terapias. Além disso, estudos adicionais serão necessários para compreender melhor os mecanismos pelos quais os psicadélicos exercem os seus efeitos terapêuticos, bem como esquemas de dosagem ideais e abordagem clínica ideal. Além disso, considerando que as experiências psicadélicas são fortemente influenciadas pelo set e setting, e que tais experiências às vezes resultam em grandes mudanças na visão de mundo, a utilização de substâncias psicadélicas à margem destes modelos clínicos bem padronizados pode aumentar o risco de danos iatrogénicos.