Ketamina
A ketamina não é um psicadélico clássico, ela é classificada e maioritariamente utilizada como um anestésico desde os anos 1960. Apesar de ser um anestésico muito seguro, desde cedo foram reportados efeitos adversos como dissociação e alucinações. A partir desses efeitos, o interesse no seu potencial psicoterapêutico surgiu e curiosamente o primeiro relato sobre o potencial psicoterapêutico da ketamina data de 1973.
No final dos anos 1990, investigadores do National Institute of Mental Health (EUA) iniciaram a investigação quanto ao potencial antidepressivo da ketamina, em alternativa aos benefícios limitados dos SSRI e dos SNRI. Procurava-se na altura chegar ao efeito antidepressivo, mas reduzindo ou até eliminando a experiência psicadélica.
Esta substância é composta por dois enantiómeros em espelho: s-ketamina (mais conhecida por esketamina) e r-ketamina. O potencial psicoativo da s-ketamina é 3 a 4 vezes maior do que o da r-ketamina, o que tem trazido nos últimos anos um interesse especial pela esketamina.
- Dependendo da dose, a ketamina provoca uma alteração do estado de consciência, que permite o seu uso psicoterapêutico.
- Existe ainda muita discussão sobre a neurofisiologia por trás dos efeitos terapêuticos da ketamina no campo da Psiquiatria. Há quem defenda que para que estes existam é necessário que ocorra uma experiência psicadélica, enquanto outros autores defendem que a substância por si só tem um efeito antidepressivo e anti-suicidário, entre outros.
- O que parece estar na base dos efeitos psicotrópicos da ketamina é o aumento extracelular dos níveis de glutamato no córtex pré-frontal.
- Os antagonistas NMDA dissociativos como a ketamina bloqueiam os neurónios inibitórios GABA nas áreas corticais e subcorticais, o que leva ao aumento dos níveis de glutamato no córtex pré-frontal. Esse aumento do glutamato estimula não só os recetores NMDA, mas também os receptores AMPA (outros recetores de glutamato). Pensa-se que esta estimulação leva também ao aumento da expressão do BNF (Fator neurotrófico derivado do cérebro), responsável pela neurogénese.
- A ketamina atua ainda noutros recetores como os recetores opióides.
- São reportadas comumente alterações do Self, com experiências extracorporais, dissolução do ego e alterações na perceção do tempo.
- Os efeitos adversos e riscos da ketamina parecem estar associados ao seu uso prolongado, apesar de não existir muita literatura científica neste sentido.
- Ao contrário das substâncias psicadélicas clássicas, esta é uma substância que apresenta potencial aditivo associado e parece poder causar neurotoxicidade, bem como toxicidade vesical e hepática com o consumo prolongado. No entanto, no contexto terapêutico tal não parece ocorrer.
- Ansiedade, agitação, irritabilidade e dificuldade em concentração de curta duração podem ocorrer, sendo que vários estudos referem que nenhum dos efeitos foi reportado a longo prazo.
- A maioria dos efeitos somáticos causados pela ketamina, quando usada em doses sub-anestésicas e por um curto período de tempo, são também autolimitados e de resolução espontânea. Pode ocorrer aumento da tensão arterial e da frequência cardíaca, visão turva, tonturas, náuseas e vómitos, cefaleias, sedação e alguma dificuldade na marcha.
Depressão Unipolar Resistente ao Tratamento e Ideação Suicida
- O uso da ketamina para tratamento de Depressão Resistente ao Tratamento e ideação suicida tem sido extensamente estudado. Existem, no entanto, diferentes formas de uso da substância, que têm levado as equipas de investigação a desenharem diferentes estudos.
- Marcantoni et al. (2020) numa revisão sistemática e meta-análise estudaram a eficácia da ketamina endovenosa no tratamento da depressão resistente. Os resultados suportam o uso de ketamina endovenosa para resolução rápida dos sintomas depressivos.
- Já McIntyre et. al (2020) conduziram uma meta-análise onde concluíram que não só o tratamento endovenoso com ketamina, mas também a esketamina nasal seriam eficazes em doentes com Depressão Resistente ao Tratamento.
- Dore et al. (2019), uma revisão sistemática especialmente focada na Psicoterapia Assistida por Ketamina, defendem que este é um método eficaz para diminuição de sintomatologia depressiva e ansiosa, quando utilizada no setting adequado. Neste artigo dá-se particular relevância ao processo psicoterapêutico, não se limitando a ter em conta o papel da substância.
Depressão Bipolar
- No caso da depressão Bipolar a investigação está menos avançada do que na unipolar.
- Em 2020 e 2021 dois estudos (meta-analise e revisão sistemática), mostraram que a ketamina endovenosa seria eficaz na redução de sintomas depressivos também na depressão bipolar, com melhoria na ideação suicida e sem evidência de relação com sintomas maníacos.
Outras Patologias
- Têm sido avançadas hipóteses de uso de ketamina também noutras patologias como Perturbação Obsessivo-Compulsiva e Perturbações do Uso de Substâncias.
- Rodriguez et al. (2013) adiantou a hipótese de que as infusões de ketamina poderiam reduzir sintomas obsessivo-compulsivos.
- Martinotti et. al (2021) e a sua equipa publicaram uma revisão da literatura existente sobre a eficácia da ketamina e esketamina na Perturbação Obsessivo-Compulsiva, Perturbações do Uso de Substâncias e Perturbações do Comportamento Alimentar, tendo em conta que a desregulação da neurotransmissão glutamatérgica terá um papel importante em todas estas condições. Concluíram que, apesar de serem necessários mais estudos para tornar claros estes mecanismos de ação, o uso de ketamina nestas perturbações tem vindo a crescer, com resultados otimistas.
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