Como a terapia de grupo pode influenciar o futuro da Medicina Psicadélica
9 de fevereiro de 2023 • 9 minutos de leitura
- Miguel Rosa
- Psicadélicos
Durante muitos anos, a investigação psicadélica focou-se maioritariamente na interação entre o indivíduo e o terapeuta, ou nas dimensões do ambiente estético e físico (set and setting). No entanto, estudos recentes apontam para outra dimensão do set and setting que é fundamental para melhorar os resultados de saúde: o processamento interpessoal. Seja através da co-administração ou de sessões de preparação e integração em grupo, a terapia de grupo pode trazer um novo conjunto de benefícios logísticos, teóricos e psicossociais à medicina psicadélica. Pode mesmo aliviar uma causa fundamental da crise de saúde mental: a desconexão generalizada.
A Lacuna em Forma de Grupo na Investigação Psicadélica Moderna
Até recentemente, a investigação moderna centrou-se nas respostas individuais às substâncias psicadélicas. Como muitos observaram, esta particularidade parece estar em desarmonia com a história da humanidade com estes compostos. Após o relato clássico de R. Gordon Wasson sobre a sua experiência de tomar psilocibina numa cerimónia xamânica no México, o mundo ocidental tomou conhecimento da psilocibina pela primeira vez no âmbito de uma cerimónia de grupo. As evidências antropológicas também apontam para o uso ritualístico e grupal de plantas psicadélicas entre culturas. Do mesmo modo, os cientistas dos anos 50 aos 70 registaram sucesso no tratamento da depressão e perturbações relacionadas com o uso de álcool através de terapia de grupo assistida por psicadélicos.
A ausência de investigação moderna em terapia de grupo também contrasta também com descobertas fundamentais sobre as ações dos psicadélicos sobre o cérebro. Tal como referido no Journal of Psychopharmacology, devido à forma particular como os psicadélicos antagonizam o recetor de serotonina 5-HT2A, o contexto pode ser fundamental para os seus mecanismos terapêuticos. Dado que as dinâmicas interpessoais influenciam substancialmente a atitude e o ambiente, estas podem também ter impacto na profundidade e longevidade das consequências terapêuticas das substâncias psicadélicas. Ao experimentar vários tipos de terapia centrada em grupos ou níveis de apoio, a investigação pode também desvendar a forma como o set, o setting os compostos interagem para moldar respostas individuais.
Em 2017, o interesse teórico na terapia de grupo assistida por psicadélicos ganhou ímpeto após um estudo no Journal of Humanistic Psychology ter sugerido que a conexão social pode ser uma faceta central, subjacente às mudanças terapêuticas. Em entrevistas seis meses após os participantes terem recebido terapia assistida por psilocibina para depressão resistente ao tratamento, mencionaram quase unanimemente sentimentos de maior ligação a si próprios, a outras pessoas, e ao mundo.
Dado que estas substâncias tratam uma variedade de patologias, os investigadores sugeriram mais tarde que as substâncias psicadélicas podem ter como alvo uma característica subjacente da saúde mental, sugerindo que o sentimento de conectividade poderia ser essa característica. Estas mudanças de paradigma estabelecem as bases para uma série de estudos sobre a co-administração da psilocibina e a preparação e terapia de integração centrada no grupo.
A terapia de grupo é teoricamente e logisticamente válida
A primeira investigação clínica moderna sobre terapia de grupo assistida por psicadélicos ocorreu em 2020. Investigadores publicaram um estudo aberto no The Lancet sobre a viabilidade desta terapia, para homens com mais de 50 anos com a desmoralização relacionada com o VIH/SIDA, uma condição amplificada pelo isolamento social. Os autores argumentaram que como os psicadélicos inspiram as pessoas a adotar novas interpretações terapêuticas das suas vidas, a terapia de grupo assistida por psicadélicos pode ser especialmente benéfica para as pessoas com desmoralização, um tipo de tristeza contextual específica que raramente responde à psicoterapia clássica ou aos antidepressivos ISRS.
Este estudo foi o primeiro a incorporar sessões de preparação e integração em grupo, antes e depois da administração da psilocibina. Num seguimento de três meses, os participantes tiveram reduções clinicamente significativas na desmoralização relacionada com as suas doenças. Uma vez que os participantes tinham histórias médicas e psiquiátricas complexas, este estudo foi também o primeiro a demonstrar a segurança e eficácia da terapia com psilocibina para indivíduos com múltiplas patologias psiquiátricas.
Utilizando um quadro teórico de psicoterapia existencial destinada a ajudar os participantes a aceitar "o aqui e agora", praticar a auto-compaixão, e processar abertamente as suas emoções, os investigadores relataram que a componente grupal da terapia encorajava os participantes a enfrentarem diretamente a vergonha e os conflitos internos relacionados com o isolamento. Segundo os seus relatos, muitos notaram que a partilha de experiências com outros membros do grupo ajudou-os a sentirem-se menos sós na sua dor. Relataram que estas ligações eram importantes para o seu processamento e para tirar o máximo partido do seu tratamento. Como resultado, a dimensão grupal da terapia parecia criar a plataforma ideal para antecipar e integrar as experiências com psilocibina.
Esta investigação também modelou os benefícios logísticos da preparação e integração do grupo. Uma vez que a terapia psicadélica individual envolve extensas avaliações pré e pós toma da substância, é notoriamente dispendiosa em termos de tempo e recursos. Como os investigadores observaram, ao realizar sessões de preparação e integração em grupo, os 18 participantes no estudo acima referido receberam 472 horas totais em terapia. Se os terapeutas se reunissem com indivíduos numa base individual, os terapeutas teriam precisado de dedicar 954 horas a todos os participantes. Ao realizar sessões de preparação e integração com vários indivíduos simultaneamente, um grande volume de pessoas recebeu terapia em aproximadamente metade do tempo. Uma vez que os membros do grupo dividiram os custos entre si, o estudo também mostrou um paradigma que poderia tornar a terapia psicadélica mais acessível.
Os investigadores trazem ainda mais conhecimento sobre estes benefícios logísticos com um ensaio clínico de janeiro de 2022, no Journal of Psychopharmacology, o primeiro estudo clínico controlado por placebo onde se administrou psilocibina a seis indivíduos ao mesmo tempo. Enquanto a investigação anterior avaliava os efeitos da terapia de grupo antes e depois da psilocibina, este estudo registou os efeitos da psilocibina a várias pessoas enquanto cada uma recebia apoio individual A investigação mostrou que a co-administração da psilocibina não afetou negativamente o funcionamento cognitivo ou emocional dos participantes, antes ou depois do tratamento.
Como os autores explicaram numa entrevista, ao administrar psilocibina a múltiplas pessoas em segurança ao mesmo tempo, demonstraram uma forma de escalar e sistematizar a terapia psicadélica. Dado que a co-administração poderia fornecer mais informação sobre protocolos de tratamento a um ritmo mais rápido, a co-administração pode também acelerar o ritmo a que as terapias psicadélicas recebem a aprovação da FDA.
Como os settings de grupo amplificam as propriedades de cura dos psicadélicos
Para além destes benefícios logísticos, a terapia de grupo pode intervir diretamente sobre uma causa fundamental da crise de saúde mental: solidão e alienação generalizadas. Considerando as ligações claras entre depressão, ansiedade e isolamento, a ligação com um grupo pode resolver diretamente necessidades não satisfeitas que conduzem à solidão, medo de julgamento, e outros padrões de pensamento característicos da ansiedade e depressão.
As experiências de grupo partilhadas podem mesmo influenciar a saúde psicológica a longo prazo. Num estudo de 2021, investigadores de Frontiers in Pharmacology traçaram as ligações entre o processamento interpessoal e os efeitos das substâncias psicadélicas e, por sua vez, a forma como as substâncias psicadélicas modulam as interações entre as pessoas. Os investigadores mediram "mecanismos psicossociais" em 720 relatórios participantes antes e depois de tomarem psilocibina num ambiente de retiro em grupo. Desenvolveram uma Escala Communitas validada psicometricamente, com "Communitas" referindo-se a sentimentos de "intensa união e humanidade partilhada". Os investigadores observaram correlações significativas entre Communitas e relatos de bem-estar e ligação social durante e após os retiros.
Tendo em conta estas descobertas, os investigadores descreveram as ressonâncias entre as práticas de terapia de grupo e os instigadores de longa data da ligação humana. Por exemplo, os líderes de retiro encorajam frequentemente os participantes a partilhar as suas intenções, medos e outro material emocional sensível com o grupo. Os autores observaram que os psicólogos sociais entendem a auto-divulgação como um fator-chave de confiança e reciprocidade, mesmo entre estranhos.
As partilhas pessoais acarretam também consequências terapêuticas, verificando-se em estudos de terapia de grupo que os clientes consideram os terapeutas que partilham informações pessoais com o grupo, como sendo mais fortes, mais dignos de confiança e mais atenciosos. É também digno de nota que em muitos ensaios terapêuticos psicadélicos, os participantes relatam que a partilha de experiências psicadélicas profundas e difíceis de articular, reforça a validade das suas experiências psicadélicas. Estas interações, por sua vez, alargam os seus efeitos benéficos.
Neste sentido, o grupo pode, sem dúvida, tornar-se parte daquilo a que D. W. Winnicott chamou um ambiente de holding terapêutica, um contexto suficientemente seguro para convidar a uma libertação de velhos padrões de ser. A terapia de grupo pode, portanto, instigar trocas que amplificam os efeitos terapêuticos das substâncias psicadélicas.
Terapia de Grupo Assistida por Psicadélicos Vai Onde a Psicofarmacologia Não Chega
Atualmente, está em curso a investigação sobre terapia assistida por psicadélicos em grupo. As formas ótimas de terapia de grupo e a sua relevância entre populações são duas de muitas questões a serem respondidas com investigação futura. Dada a sua nova combinação de benefícios logísticos, teóricos, e psicossociais, a terapia de grupo pode figurar centralmente na integração da medicina psicadélica. Pode trazer rapidez e eficiência ao processo de aprovação, racionalizar o crescimento das melhores práticas, e levar os psicadélicos a um maior número de pessoas.
Uma vez que a depressão, ansiedade, e outras condições envolvem frequentemente isolamento social, as interações de grupo terapêutico podem também visar uma força motriz por detrás da crise de saúde mental. Ao intervir sobre uma causa fundamental de angústia, a terapia psicadélica pode promover um nível de cura que ultrapassa radicalmente a promessa mais unidimensional da biomedicina: ajudar as pessoas a "gerir" os sintomas a jusante do seu sofrimento sem atender às suas necessidades psicossociais não satisfeitas.
Artigo Original publicado a 07/05/2022 na Maya Health.
Tradução livre por Miguel Rosa
Miguel Rosa
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