Será que os psicadélicos trazem sempre aquilo que as pessoas necessitam? Riscos do uso de psicadélicos, limitações dos ensaios e sugestões para os ultrapassar
1 de maio de 2023 • 21 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Psicadélicos
- Sociedade
Como Rick Doblin disse neste último mês, uma reação de contestação relativamente aos psicadélicos “virá se forem exagerados os resultados e minimizados os riscos”.
Texto da autoria de Jules Evans - Diretor do Challenging Psychedelic Experiences Project e autor de livros como Philosophy for Life, The Art of Losing Control e Breaking Open: Finding a Way Through Spiritual Emergency (co-editado com Tim Read)
Quando eu tinha 18 anos, tomei LSD numa festa e tive uma bad trip. Senti-me irracionalmente com medo e constrangido por várias horas, e fui para a cama com a sensação que havia danificado permanentemente o meu cérebro. Nas semanas seguintes, senti-me paranoide, em pânico e ansioso em contextos sociais. Esses sintomas desapareceram, mas voltaram alguns meses depois e duraram anos. Acabei diagnosticado com perturbação de ansiedade social e perturbação de stress pós-traumático. Levei cinco anos para parar de ter ataques de pânico, uma década para recuperar a minha confiança social e mais tempo para ser capaz de ter um relacionamento de longo prazo.
Essa experiência foi "má"? Sim, roubou a minha confiança, mexeu com o meu sistema nervoso, mudou a minha personalidade e tornou a minha vida muito mais difícil. Se eu gostaria que nunca tivesse acontecido? Essa é uma pergunta mais complicada. Suspeito que minha vida teria sido muito mais fácil se eu nunca tivesse tomado psicadélicos. Mas essa experiência adversa também teve impactos positivos. Acabei por me interessar por saúde mental, filosofia, espiritualidade. Eu eventualmente até experienciei um 'crescimento pós-traumático'. E esta é a parte complicada de definir “bad trips” – tal que eu defini que uma experiência passada afetou a minha vida no presente. Quando acreditei que tinha 'danificado permanentemente o meu cérebro', isso tornou-se quase como uma profecia autorrealizável. Quando decidi que eram as minhas crenças catastróficas que persistiam presente que causavam o meu sofrimento e encontrei uma estrutura mais construtiva para o passado, comecei o meu trabalho de cura.
Hoje lidero um dos primeiros projetos de investigação sobre dificuldades prolongadas pós-experiências com psicadélicos, como são e o que ajuda as pessoas que as têm. Espero que o nosso trabalho possa vir a ajudar pessoas em situações semelhantes àquela em que eu me vi aos 18 anos. Vivemos um momento entusiasmante em que várias substâncias psicadélicas estão prestes a ser legalizadas, seja para uso recreativo, espiritual ou terapêutico, e milhões de pessoas poderão vir a experimentá-las. Quase um em cada cinco britânicos está atualmente sob medicação com antidepressivos, pelo que o mercado potencial para a terapia psicadélica é enorme. Mas quão perigosos são os psicadélicos? O que é que as pessoas devem saber antes de os tomar? Essas são questões básicas que ainda estão a ser debatidas.
As drogas menos perigosas que existem?
Em debates sobre o risco das drogas, muitas vezes é apresentada a tabela acima. O álcool é de longe a droga mais prejudicial, enquanto os cogumelos mágicos aparentemente quase não apresentam riscos. Essa tabela foi publicada pelo professor David Nutt em 2010, um ano depois de ele ter sido demitido do cargo de “czar das drogas” do governo britânico por dizer que o LSD e o MDMA eram menos perigosos que o álcool. Nutt é um dos psiquiatras mais influentes e respeitados do Reino Unido, e o gráfico acima tem sido extremamente difundido e é frequentemente usado como prova nas audiências de descriminalização que estão a ocorrer em cidades e estados dos EUA, e é o gráfico que convenceu Christian Angermayer a experimentar cogumelos mágicos, para mais tarde se tornar o maior investidor em psicadélicos. Os psicadélicos estão, de acordo com Nutt, "entre as drogas mais seguras que conhecemos".
A organização de Nutt, Drug Science (“a verdade sobre as drogas… livres de influência política ou comercial” é o seu slogan) desempenhou recentemente um papel fundamental em persuadir a Austrália a legalizar a terapia psicadélica. Nutt foi levado pela Mind Medicine Australia para dar uma série de palestras, nas quais ele disse ao público que nunca houve uma reação psicótica a psicadélicos entre os milhares de pessoas que passaram por ensaios clínicos com psicadélicos. Também foi ele quem disse aos media australianos que ninguém jamais saiu de um ensaio clínico procurando avaliar a eficácia de um psicadélico para depressão a sair-se mais deprimido. Também ele escreveu que as advertências sobre os riscos dos psicadélicos são “anedóticos e desinformações” e são um triste legado da Guerra de Nixon contra as drogas.
A postura e as opiniões positivas de Nutt sobre o risco das substâncias psicadélicas foram suficientes para influenciar uma figura conhecida como "o delegado", que aparentemente exerce um enorme poder sobre o TGA, o equivalente australiano do FDA. Após a apresentação de Nutt, 'o delegado' mudou a decisão do TGA do ano anterior e aprovou o uso de psilocibina e MDMA como tratamentos psiquiátricos para depressão resistente ao tratamento e PTSD, para surpresa de todos na saúde australiana.
Alguns especialistas em drogas questionaram a avaliação de Nutt sobre o risco psicadélico. A Professora Anna Lembke é líder da Stanford Addiction Medicine Dual Diagnosis Clinic na Universidade de Stanford e autora de Drug Dealer, MD: How Doctors Were Duped, Patients Got Hooked, and Why It’s So Hard to Stop. Segundo ela:
Eu li o seu estudo citado e apresentado inúmeras vezes como evidência da segurança relativa de “LSD” e “Cogumelos” e por inferência de outros psicadélicos/alucinógenos, quando na verdade não representa evidência real. Em primeiro lugar, esses dados não são baseados em descobertas objetivas, como atendimentos nas urgências hospitalares, hospitalização, relatórios de médicos legistas ou qualquer outra abordagem epidemiológica padrão para avaliar os danos à população. Pelo que pude perceber ao ler o artigo, essas comparações quantitativas são baseadas num grupo de indivíduos sentados ao redor de uma mesa a relatar os seus próprios pensamentos sobre a segurança de diferentes substâncias, com base… bem, nos seus próprios pensamentos. O gráfico também não leva em conta a prevalência do uso de drogas na população. Quando as drogas estão prontamente disponíveis e são comumente usadas numa população, como o álcool, causam mais danos do que as drogas de difícil acesso e menos usadas. As classificações neste gráfico não levam em consideração a prevalência do seu uso.
Noutras palavras, Lembke diz que as pontuações de risco das drogas no gráfico de Nutt foram simplesmente decididas por Nutt e outros membros da Drug Science em 2010, antes de haver qualquer estudo sistemático dos riscos das substâncias psicadélicas. Também é muito diferente de uma lista que Nutt e os seus colegas produziram três anos antes, na qual a heroína era classificada como a droga mais prejudicial, o álcool era o quinto e o LSD estava no meio da tabela. Como é o álcool se tornou tão perigoso em três anos?
Nutt também está no conselho de supervisão de várias empresas psicadélicas, como Compass, Awakn, Alvarius, Psyched Wellness e Algernon Pharmaceuticals, e sua viagem à Austrália foi financiada pela Mind Medicine, a empresa australiana destinada a lucrar com a decisão da TGA de legalizar a terapia psicadélica. Portanto, de acordo com os vários críticos, é falacioso que a Drug Science se apresente como “livre de influência comercial”. Pelo contrário, os cientistas envolvidos podem fazer fortuna com a mudança do contexto legal das drogas. Não tenho nenhum problema com cientistas que ganhem dinheiro com as suas investigações - mas vamos ser honestos sobre os nossos potenciais conflitos de interesse quando falamos de riscos.
Também não é verdade dizer que ninguém saiu de nenhum ensaio clínico de psicadélicos para depressão a sentir-se mais deprimido. No grande estudo de 2022 da Compass sobre psilocibina para depressão, eventos adversos mais sérios – especificamente, ideação suicida – ocorreram entre os grupos que foram tratados com psilocibina. Nos próprios ensaios do Imperial College, alguns participantes inicialmente sentiram-se mais deprimidos, antes de melhorar. Noutros ensaios, nem sempre sabemos como é que individualmente os participantes se sentiram, pois por vezes só nos é apresentado o resultado médio do grupo.
Nem é o caso de ninguém jamais ter tido uma reação psicótica durante um ensaio clínico e, por conseguinte, os psicadélicos “são totalmente seguros em ambientes clínicos”. Das 769 pessoas que passaram por RCTs com psicadélicos nos últimos 15 anos, eu pessoalmente conheço uma pessoa que foi medicada com antipsicóticos depois de participar num ensaio, e outra relatou sentir-se psicótica depois de participar no ensaio da MAPS que utilizou MDMA. Nenhum desses incidentes apareceu nos relatos de resultados dos ensaios – ouvimos falar deles quando os participantes falaram ou escreveram sobre as suas experiências de forma independente.
Quanto às preocupações sobre os riscos psicadélicos serem “desinformação e anedóticos”, isso é precisamente o que Nutt disse quando os pacientes com antidepressivos SSRI alertaram sobre efeitos adversos, como sintomas de abstinência do fármaco, uma década antes. Em 2014, quando pacientes e médicos formaram um grupo para fazer campanha por melhores informações sobre os riscos dos SSRI (particularmente o risco de dependência e abstinência), Nutt publicou uma carta no Lancet dizendo que os SSRIs eram "alguns dos medicamentos mais seguros já produzidos", acrescentando:
Atribuir experiências extremamente incomuns ou graves a fármacos que parecem bastante inócuas em ensaios clínicos duplo-cegos é preferir relatos anedóticos a evidências. O incentivo ao litígio também pode distorcer a apresentação de algumas reivindicações.
Os pacientes levaram uma década para que o NHS e o Royal College of Psychiatrists admitissem que os SSRI poderão de facto causar problemas de abstinência em cerca de metade dos pacientes e, para metade deles, esses problemas podem ser graves. Espero que não demore tanto para a indústria psicadélica ser honesta sobre os riscos dos psicadélicos.
Será que a medicina dá sempre aquilo que precisamos?
A posição de Nutt sobre o risco dos psicadélicos pode ser descrita como libertária secular. Por outro lado, há a perspetiva mais espiritual encontrada em alguns dos principais investigadores da equipa de investigação da Johns Hopkins – Roland Griffiths, Bob Jesse, Bill Richards – e também em Rick Doblin da MAPS. Essa visão (“espiritualidade secular”) vê os psicadélicos como um potencial catalisador para a evolução espiritual da humanidade. Nessa visão, as “bad trips” costumam ser antes apelidadas como “experiências desafiadoras”.
Em 2016, lançou o projeto Challenging Experiences Survey, um survey com quase 2.000 pessoas que relataram experiências desafiantes, na qual 84% dos entrevistados disseram sentir que beneficiaram com a experiência. Outro artigo recente da Johns Hopkins, baseado numa análise de relatos de experiências, também sugeriu que as viagens descritas como desafiadoras também eram frequentemente descritas como curativas. A MAPS, por sua vez, sugere no seu site que: “Uma verdadeira experiência psicadélica, mesmo uma chamada bad trip, poderá ser sagrada. Em culturas xamânicas, até mesmo um colapso psicótico, induzido por um psicadélico, faz parte de rituais de iniciação.'
Muitas pessoas na cultura psicadélica compartilham dessa opinião. É bastante comum que os psiconautas tenham uma visão xamânica da 'planta medicinal sagrada', na qual as plantas psicadélicas são aliadas do espírito e não existe 'viagem difícil', apenas reações avessas à sabedoria que a medicina está a tentar ensiná-los. Eu perguntei-me de que forma essas atitudes são comuns entre os psiconautas, e questionei psiconautas no Twitter e outras redes sociais se eles concordavam com a afirmação “a medicina pode não dar o que você quer, mas dá sempre aquilo que você precisa”. Aqui está o que eu descobri.
No Twitter, 276 pessoas responderam à minha pergunta, e muito mais concordaram com a afirmação do que discordaram:
Na principal página de Ayahuasca do Facebook, houve uma forte concordância entre os usuários de Ayahuasca de que a Ayahuasca oferece sempre aquilo que as pessoas precisam:
A concordância com a afirmação também parece ser mais forte entre os facilitadores de psicadélicos do que entre os usuários. Fiz duas investigações – uma para psiconautas e outra para curandeiros/facilitadores/terapeutas psicadélicos, a questionar até que ponto eles concordavam que “a medicina pode não dar o que se quer, mas vai dará aquilo que precisa”. Entre os psiconautas, 70% concordaram – mas a maioria concordou apenas um pouco.
Entre os facilitadores e curandeiros psicadélicos (reconhecidamente uma amostra muito pequena de 8), aproximadamente a mesma percentagem concordou com a afirmação – mas aqui 35% concordaram fortemente. Noutras palavras, a fé na sabedoria curativa dos psicadélicos parece ser mais forte entre aqueles que os disponibilizam.
Não estou a brincar com a ideia de que “uma viagem desafiadora não é necessariamente má”, nem com a ideia de que “a medicina dará o que a pessoa precisar”. Certamente, às vezes, as experiências de cura poderosas são particularmente desafiantes, pois as pessoas confrontam-se com as suas experiências, sentimentos ou crenças mais sombrias e traumáticas.
Mas as crenças de que experiências desafiantes são sempre recompensadoras e que a substância psicadélica nunca é prejudicial são componentes de fé, o que William James chamou de crenças excessivas, como “tudo acontece por uma razão” ou “Deus está sempre a cuidar de si”. Elas são crenças teológicas ao invés de ciência de valor neutro. Crenças excessivas podem ser muito consoladoras para uma pessoa e ajudá-la a entender o seu sofrimento. Mas é diferente se você receber esse dogma de um curador ou terapeuta quando estiver a ter uma reação assustadora com uma substância. É como ser instruído a 'confiar na sua sabedoria interior de cura' quando a pessoa se sente que se está a desmoronar. Isso pode levar à culpabilização da vítima, como no meme abaixo, em que os efeitos adversos são culpa sua por não seguir a “sabedoria da medicina”.
Por vezes, as pessoas sentem que elas ou os seus familiares foram permanentemente prejudicadas por psicadélicos. Um terço de nossa investigação afirmou que as dificuldades pós-experiência ainda os afetavam e 16% das pessoas no estudo da Johns Hopkins sentiram que não beneficiaram da sua “experiência desafiadora”. Muito poucos desenvolvem perturbações psicóticas duradouras após uma viagem, é certo. Mas alguns morrem, por suicídio ou acidentes enquanto estão sob o efeito da substância. Algumas experiências difíceis são simplesmente difíceis – na verdade, essa é uma posição com a qual a maioria das pessoas concorda no nosso estudo sobre as atitudes dos psiconautas. E até os profetas da espiritualidade psicadélica concordam com isso. Roland Griffiths é, de muitas maneiras, um ícone da nova espiritualidade psicadélica. Mas o que o mantém acordado à noite são as preocupações com os danos do movimento que ele tanto fez para lançar.
Os desafios de definir e medir “experiências adversas”
Como van Elk et al apontam num novo artigo sobre as limitações da investigação psicadélica, não existe uma definição estabelecida de uma “experiência psicadélica adversa”. Os ensaios classificam como eventos adversos aspetos como vomitar em sessões com Ayahuasca ou “ver coisas que não existem” – efeitos que são esperados de psicadélicos específicos. Outros efeitos adversos podem ser choro, ressurgimento de memórias traumáticas, ansiedade e assim por diante, que novamente podem ser considerados partes previsíveis do processo de tratamento. Mas é obviamente diferente se tais fenómenos estiverem a prejudicar a capacidade de funcionamento de uma pessoa várias semanas depois.
Pode-se falar em efeitos adversos de curto, médio e longo prazo. Tudo isso pode ocorrer com psicadélicos. Num artigo que escrevi com Anna Lutkajtis, descobrimos que 30% dos participantes de um retiro de psilocibina relataram 'desafios de integração' após o retiro com duração de até duas semanas, incluindo volatilidade emocional, sensação de desconexão de casa e tristeza pós-extática. No nosso estudo com 608 pessoas que experimentaram dificuldades prolongadas após experiências com psicadélicos, cujos resultados serão publicados em breve, um terço dos entrevistados disse ter experimentado dificuldades por mais de um ano e um sexto relatou dificuldades por mais de três anos.
Para um fenómeno ser vivenciado como “adverso”, tal dependerá das expectativas, personalidade e contexto cultural da pessoa. Uma das dificuldades estendidas após as experiências mais comummente relatadas no nosso estudo foi a “confusão existencial”. O modelo anterior de realidade das pessoas pode ser fortemente abalado, e isso pode ser experienciado como extremamente “adverso” – inesperado, indesejado e prejudicial ao funcionamento do dia-a-dia. Essa confusão existencial pode até ser o início de uma jornada para uma realidade mais rica. Ou não. No mínimo, as pessoas poderiam ser informadas de que tal confusão existencial pode surgir após experiências com psicadélicos, que modelos anteriores de realidade podem-se dissolver ou ser desestabilizados, e que isso pode ser desconcertante.
Para complicar ainda mais, a avaliação de uma pessoa sobre uma experiência psicadélica e as suas consequências pode diferir daquela dos seus entes queridos ou de pessoal médico. Podem pensar que é extremamente positivo e que melhora a qualidade de vida, enquanto os seus entes queridos podem pensar que eles enlouqueceram, que se juntaram a um culto, o que se qualificaria como “adverso”.
Talvez esta definição aproximada faça sentido: uma experiência psicadélica adversa é aquela que afeta negativamente o funcionamento de uma pessoa a curto, médio ou longo prazo. A experiência psicadélica pode, em última análise, ser experimentada como gratificante e enriquecedora, mas pode também ser experienciada como adversa (ou seja, tornando o seu funcionamento diário mais difícil) ao longo da vida.
Existem muitos desafios na avaliação de experiências psicadélicas adversas. Primeiro, como Breeksema et al (2022) observaram, as experiências adversas provavelmente foram subestimados em alguns ensaios psicadélicos. O problema da subnotificação de experiências adversas em ensaios psicadélicos remonta à década de 1960. A tese de doutoramento de Walter Pahnke sobre o Ensaio da Sexta-Feira Santa, por exemplo, foi considerada pelos participantes como “totalmente positiva”, nas palavras de um participante. Trinta anos depois, Rick Doblin, fundador da MAPS, fez um acompanhamento de longo-prazo do estudo que mostrou como Pahnke havia minimizado os eventos adversos no seu artigo. Mas 30 anos depois, a MAPS enfrentou exatamente a mesma acusação de alguns participantes no seu próprio ensaio de MDMA para PTSD – dois participantes entrevistados pela Psymposia sentiram que suas experiências adversas não foram devidamente relatadas nos resultados. Um novo artigo na Psychological Science, que avaliou a precisão do relato de eventos adversos em 10 ensaios do formato de administração nasal de um psicadélico glutamatérgico (fármaco de administração hospitalar aprovado para a depressão resistente ao tratamento [já disponível em Portugal]), descobriu que 40% dos eventos adversos graves não foram relatados.
Todo e qualquer investigador é propenso ao viés de confirmação, e alguns investigadores psicadélicos talvez sejam particularmente propensos caso sejam espiritualmente, emocionalmente ou publicamente investidos em defender o uso de psicadélicos. Os investigadores psicadélicos muitas vezes definem o que é e o que não é considerado um evento adverso nos seus ensaios. Por exemplo, em testes recentes do spray, participantes morreram por suicídio durante o ensaio, mas isso foi considerado pelos investigadores como não tendo sido relacionado com a intervenção terapêutica. Da mesma forma, no ensaio clínico da psilocibina da Compass, foi documentada aumento da ideação suicida nalguns participantes, mas numa entrevista ao The Guardian, David Nutt (que faz parte do conselho consultivo da Compass) sugeriu que 'esses casos provavelmente foram eventos aleatórios e não relacionados à dose de psilocibina, que já teria sido totalmente eliminada do organismo do participante’.
Katharine MacLean, uma investigadora psicadélica que anteriormente foi investigadora-chefe da equipa da Johns Hopkins, escreveu:
Suicídios em ensaios clínicos estão a ser ocultados nas secções suplementares de alguns artigos. Eu tomei conhecimento de suicídios consumados em estudos de psilocibina que não foram relatados de forma alguma... Eu estava a trabalhar na Hopkins como investigadora-chefe quando houve um suicídio num homem com depressão aproximadamente 10 dias depois dele ter recebido uma dose baixa (não terapêutica) de psilocibina... Porque é que esse trágico evento não foi relatado no texto principal do artigo? O Hopkins IRB e o FDA determinaram que a morte não estava relacionada ao estudo. Eu discordo... O participante falhou em obter o “resultado milagroso prometido”... e então ele suicidou-se. Isso parece-me estar relacionado com o estudo, a meu ver.
Além disso, a investigação psicadélica tem um viés de positividade por meio do seu modelo de financiamento. Não é apenas o facto de muitos estudos importantes serem patrocinados e executados por empresas que lucram com a terapia psicadélica (como Compass e MAPS). Muitos outros ensaios psicadélicos são patrocinados por filantropos privados que são emocional, financeira e espiritualmente investidos na crença de que os psicadélicos salvarão a humanidade. Como resultado, muito poucos estudos sobre os riscos dos psicadélicos foram financiados por entidades públicas.
A cultura psicadélica também tem um forte viés de positividade. Se as pessoas tiverem experiências psicadélicas positivas, ficam extremamente motivadas a falar sobre elas, discutem-nas em grupos psicadélicos on-line e defendem-nas publicamente. Se alguém tiver uma experiência negativa ou extremamente negativa, é muito menos provável que queira falar sobre isso publicamente, porque pode sentir vergonha, culpa, vulnerabilidade ou fragilidade. Se desenvolveram psicose persistente, podem até nem ser capazes de participarem em estudos ou contar a sua história publicamente. Portanto, se estivermos a avaliar os riscos dos psicadélicos através de estudos com pessoas que fazem parte de grupos psicadélicos on-line ou a ouvir depoimentos deles, é provável que tenha uma imagem indevidamente otimista. Um exemplo desse viés de positividade no estudo de Pahnke. Quando Rick Doblin fez um follow-up de 30 anos, oito dos nove participantes originais concordaram em ser entrevistados. O único que recusou foi a pessoa que teve uma experiência muito difícil. Discutimos neste artigo o porquê de acharmos que os depoimentos desempenham um papel exagerado e distorcido na promoção da ciência psicadélica.
Sugestões práticas
Uma solução sugerida por dois artigos recentes sobre como melhorar a investigação psicadélica (McNamee et al, 2023 e van Elk et al, 2023) é ter um investigador independente a avaliar eventos adversos em ensaios clínicos, ao invés dos investigadores principais. McNamee também sugeriu que os investigadores devem ficar atentos aos sintomas emergentes. Por exemplo, um participante do estudo contou-me: ‘Muitos participantes dizem que a sua depressão diminuiu, mas os níveis de ansiedade dispararam. Às vezes parece que trocamos um problema por outro.” Também seria útil entrevistar participantes aos 6 e 12 meses para obter uma imagem mais completa do que ficou mais fácil e do que ficou mais difícil, e como os resultados podem ter diferido do que eles esperavam.
Devemos também aprender e comunicar melhor toda a gama de possíveis respostas aos psicadélicos, para reduzir o imprevisto dos efeitos e o medo e a perplexidade que podem surgir. Por exemplo:
- Num estudo, 4-4,5% das pessoas que tomaram psicadélicos relataram distorções visuais persistentes que acharam perturbadoras. (Kurtom e outros, 2019)
- Na Pesquisa Global de Ayahuasca com 11.000 pessoas, 12% disseram que procuraram assistência psicológica após uma experiência difícil. (Bouso et al, 2022).
- 8,9% dos psiconautas relataram comprometimento funcional por mais de um dia após uma experiência difícil e 6% consideraram ferir-se a si mesmos ou outros. (Simonson e outros, 2023)
- 7% dos pacientes no estudo Compass de psilocibina para depressão resistente ao tratamento experienciaram eventos adversos considerados graves durante o tratamento. (Arquivo Compass SEC). Da mesma forma, 7% dos participantes do estudo de fase 3 da MAPS sobre MDMA para PTSD relataram aumento da ideação suicida. (McNamee e outros, 2023)
- 39% das pessoas que tiveram uma experiência desafiante disseram que foi uma das cinco experiências mais difíceis de suas vidas. Daqueles cuja experiência ocorreu há mais de um ano, 7,6% procuraram tratamento por sintomas psicológicos persistentes. 16% dos entrevistados sentiram que não se beneficiaram com a experiência. (Carbonaro e outros, 2016)
E, finalmente, na nossa investigação sobre dificuldades prolongadas pós-experiência com psicadélicos, cujos primeiros resultados David Luke apresentou na Breaking Convention no final de abril, as dificuldades mais comuns relatadas pelas pessoas foram ansiedade e medo (ataques de pânico, medo de enlouquecer, medo de danos permanentes, ansiedade social, etc.); confusão existencial, desrealização e despersonalização e desconexão social. Também perguntamos o que é que as pessoas achavam mais útil para lidar com essas dificuldades. A resposta mais comum foi o apoio social – de amigos, terapeutas ou pessoas que passaram por experiências semelhantes. Sentir-se sozinho e confuso torna essas experiências muito mais difíceis. Informações e suporte social facilitam a navegação.
A cultura psicadélica está a mudar a sua atitude em relação às experiências adversas. Pode haver uma tendência a negar e minimizar as experiências adversas por medo de dar munição aos proibicionistas e prejudicar “a missão”. Isso é um erro, criando um terreno fértil para novos problemas mais tarde, quando esses medicamentos se tornarem comuns e as pessoas relatarem efeitos inesperados. Se quisermos apoiar a legalização de longo prazo dos psicadélicos, devemos aprender sobre os seus riscos e o que ajuda as pessoas a lidar com eles. Como Rick Doblin disse no mês passado:
A armadilha em que temos que evitar cair e de onde virá agora o retrocesso - se houver - é se exagerarmos os resultados e minimizarmos os riscos. E temos que ter muito cuidado para não fazer isso.
Artigo Original de Jules Evans*, publicado na* Ecstatic Integration a 21/04/2023.
Tradução livre por Pedro Mota
Pedro Mota
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