O que a psilocibina faz ao cérebro
21 de setembro de 2022 • 4 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Psilocibina
A psilocibina dos "cogumelos mágicos" aumenta a excitação e a desordem nas redes cerebrais.
Os compostos psicadélicos produzem experiências subjetivas intensas e têm se mostrado promissores no tratamento da perturbação de stress pós-traumático (PSPT) e da depressão resistente ao tratamento, entre outras condições psiquiátricas. Mas o que realmente sabemos sobre o que acontece no cérebro quando consumimos essas substâncias?
Para responder a essa questão, analisamos o efeito de uma dose de 2 mg/kg de psilocibina, o ingrediente ativo dos cogumelos mágicos, no cérebro de camundongos acordados, usando elétrodos que permitem o registro da atividade neuronal de células cerebrais únicas (neurónios), redes de neurónios e atividade cumulativa de ondas cerebrais, conhecida como potencial de campo local (LFP). Embora existam muitas maneiras diferentes de estimar a dose equivalente humana que produziria efeitos semelhantes, podemos dizer com confiança que esta é uma dose alta, embora clinicamente relevante, de psilocibina.
Ao colocar o elétrodo numa região do cérebro conhecida como córtex cingulado anterior, o objetivo desta equipa de investigação era descobrir de que forma a psilocibina afeta os circuitos neuronais associados ao processamento emocional e à consciência interna (interoceção). Essa região do cérebro também faz parte do córtex pré-frontal mais amplo, uma área conhecida por ser crítica em funções superiores, como processamento cognitivo e emocional.
Alteração nas ondas cerebrais
Quando examinamos os camundongos durante sua fase de pico da experiência, descobrimos que a psilocibina teve vários efeitos na atividade neuronal. Uma das mais pronunciadas foi uma alteração nas ondas cerebrais. Em geral, as ondas cerebrais ocorrem numa faixa de frequências diferentes. Descobrimos que oscilações mais lentas (ondas delta, teta e alfa) foram significativamente reduzidas pela psilocibina, enquanto o poder das ondas gama mais rápidas resultou num aumento. Essas oscilações têm muitas funções no cérebro, uma das quais é permitir a comunicação entre uma região e outra. Acredita-se que as ondas lentas sejam mais responsáveis pelo fluxo de informações entre regiões distantes do cérebro, enquanto as ondas gama mais rápidas permitem o fluxo de informações dentro de regiões locais do cérebro. Como tal, a mudança na potência de baixas para altas frequências causada pela psilocibina pode indicar que o córtex cingulado anterior transmite e recebe menos informações de e para regiões distantes do cérebro e, portanto, pode representar uma redução na função de processamento de cima para baixo que normalmente exerce.
Atividade de neurónios únicos
A atividade de neurónios individuais também foi alterada, com aproximadamente 40% a ver aumentada a sua atividade. Os neurónios geralmente disparam de uma maneira coordenada às oscilações cerebrais (este é um fenómeno conhecido como “bloqueio de fase”). No entanto, esse bloqueio entre as ondas cerebrais e a atividade de um único neurónio desativou-se sob a psilocibina.
Os neurónios comunicam entre si de duas maneiras: por meio de sinais binários chamados potenciais de ação, ou picos, e por meio de disparos de neurónios conhecidos como “disparos em rajada” (burst fire). Estes disparos ocorrem quando o neurónio dispara vários picos em rápida sucessão. Estas explosões de atividade neural fornecem um meio mais poderoso de comunicação entre os neurónios e estão fortemente implicadas na neuroplasticidade e na formação da memória.
Observamos que, sob a psilocibina, o disparo em rajada foi reduzido em geral, mas que um subconjunto de neurónios na verdade aumentou este disparo em rajada. Surpreendentemente, quando examinamos a relação entre os neurónios cujos disparos mudaram e se os mesmos evidenciavam comportamento de bloqueio de fase, encontramos uma relação consistente em que os neurónios que aumentaram os seus disparos em rajada reduziram o seu grau de bloqueio de fase. Em conjunto, a psilocibina parece aumentar a atividade geral do córtex cingulado anterior, mas de uma maneira caótica que interrompe a regularidade da atividade cerebral. Quando combinamos todas estas descobertas, parece que a psilocibina reduz a intercomunicação entre o córtex cingulado anterior e regiões distantes do cérebro e torna a atividade mais excitável e mais irregular. Esses resultados apoiam a ideia apresentada por Robin Carhart-Harris e Karl Friston no seu modelo REBUS (Relaxed Beliefs Under Psychedelics), que postula que os psicadélicos interrompem a influência da modulação top-down (top-down modulation) sobre a informação sensorial que chega ao cérebro, em vez de favorecer a entrada sensorial. Isto significa que os psicadélicos podem permitir que o cérebro confie menos em crenças e expectativas anteriores e seja mais recetivo às informações novas recebidas.
Talvez a interrupção da atividade neuronal que encontramos no córtex cingulado anterior seja o espelho dessa influência reduzida das regiões de processamento top-down na atividade cerebral. No entanto, como sempre é verdade na ciência, este é apenas um conjunto de dados a partir do qual se devem realizar investigações adicionais para se compreender o que a psilocibina faz com a atividade cerebral.
Artigo Original de Paul Chadderton e Caroline Golden publicado no Psychology Today a 20/09/2022.
Tradução livre por Pedro Mota
Pedro Mota
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