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O renascimento dos Psicadélicos em Harvard

O renascimento dos Psicadélicos em Harvard

18 de março de 2022 26 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • Psicadélicos
  • Sociedade

Nick C. Ige, de 25 anos, diz que não estaria em Harvard se não fosse pelas substâncias psicadélicas.

Ige passou 10 anos como paraquedista e operador especial no Exército dos Estados Unidos antes de ingressar na Turma de 2025 de Harvard. Tendo sido dessensibilizado à violência e situações extremas de stresse, Ige, como muitos veteranos, percebeu que a transição de volta à vida civil seria difícil. Ige teve mais amigos a morrer por suicídio do que a morrer em combate. “Chamamos a isso perder a batalha em casa”, diz.

A lutar contra um “défice de empatia” que o deixou propenso à violência e que tem provocado dificuldades em manter os seus relacionamentos, Ige tentou “de tudo” – meditação, ioga, psicoterapia, escrevia diários – mas nada foi suficiente.

Então, decidiu utilizar substâncias psicadélicas.

Ige usou Ayahuasca, psilocibina, DMT e ibogaína. Fê-lo sob supervisão médica, em retiros que contavam com um xamã, fez microdoses e utilizou-as também com amigos. Tal como descreve, cada uma dessas experiências permitiu-lhe trabalhar em aspetos diferentes do seu processo de cura. Ige agora esforça-se para ligar para os seus amigos do Exército para dizer que os ama e procura ajudá-los e apoiá-los na transição de volta à vida civil. “As minhas experiências psicadélicas e a terapia que veio disso [estão] a transformar-me numa pessoa mais aberta e amorosa”.

Ige explica tudo isto enquanto toma um café com leite de aveia e churros no Capital One Cafe em Harvard Square, com música pop tocando de fundo. Fala sobre psicadélicos com confiança, com um ar quase especialista, sem medo que alguém na mesa o ouça.

A sua confiança é impressionante. As substâncias psicadélicas, uma categoria que inclui psilocibina presente nos cogumelos mágicos, LSD, DMT, MDMA e outras substâncias psicoativas, são classificadas como drogas de Classe I pela Agência Antidrogas (DEA) dos EUA, o que significa que elas “não têm uso médico atualmente aceite e apresentam uma alto potencial de abuso.” As substâncias ganharam esse status em 1970, devido ao crescente medo público sobre “bad trips” e desconfiança relativamente às suas associações contraculturais, limitando severamente qualquer investigação sobre os seus efeitos e usos.

Porém Ige não está sozinho quanto a esta sua atitude em relação aos psicadélicos. Embora a mudança ainda não tenha acontecido a nível federal, em 2020 o estado de Oregon legalizou a psilocibina. Simultaneamente, várias cidades do país descriminalizaram a psilocibina. Em fevereiro de 2021, Cambridge descriminalizou todas as plantas enteógenas, uma categoria que contém não só a psilocibina, mas também a Ayahuasca e ibogaína, juntando-se a Somerville e outras duas cidades do estado do Massachusetts.

A investigação também está a ressurgir, inclusivamente no recém-fundado Center for the Neuroscience of Psychedelics do Massachusetts General Hospital. Este centro faz parte de um movimento recém-emergente que procura investigar os psicadélicos como um tratamento seguro para condições que vão desde a Perturbação do Stress Pós-Traumático (PSPT) até à dependência de opióides e à depressão. Até agora, os resultados da investigação têm sido positivos; um estudo recente mostrou que o MDMA reduziu os sintomas de PSPT em 88% dos pacientes, tornando-o mais eficaz do que os fármacos antidepressivos tradicionais, que são eficazes em apenas cerca de 60% das pessoas.

O ressurgimento do interesse dos psicadélicos em Harvard é notável à luz da história única da universidade com essas substâncias: no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, a universidade era o lar do controverso Harvard Psilocybin Project, liderado pelo psicólogo Timothy F. Leary e o seu assistente, Ricardo Alpert. Os investigadores pretendiam estudar estados alternativos de consciência, mas logo foram criticados por investigações eticamente discutíveis, tendo inclusivamente sido alegada a administração de substâncias psicadélicas a estudantes universitários de Harvard. Após um intenso debate no campus, os contratos de Leary e Alpert foram rescindidos em 1963.

Ainda assim, Leary e Alpert deixaram para trás um debate acesso sobre como as substâncias psicadélicas podem e devem ser estudadas e o papel que os estados alternativos de consciência devem desempenhar na sociedade. Sessenta anos após a sua partida, Harvard volta a fazer parte da conversa sobre o futuro dos psicadélicos. Da pesquisa no laboratório às conversas entre o corpo discente, os psicadélicos estão a fazer parte de um renascimento inegável – um renascimento consciente da história conturbada de Harvard com as substâncias, porém a ser trabalhado para que as leve mais além.

"O homem mais perigoso da América"

No final de maio de 1963, um pequeno mas apaixonado grupo de estudantes de Harvard reuniu-se num local curioso para um protesto: dentro da Antiga Biblioteca de Leverett House. O objetivo do protesto era assinar uma petição contestando a decisão de Harvard em demitir o professor e assistente de Psicologia Clínica Richard Alpert por ter dispensado substâncias psicadélicas a estudantes universitários.

Alpert havia desempenhado um papel fundamental no Harvard Psilocybin Project de Leary, objeto não apenas de controvérsia no campus, mas também alvo de uma investigação da FDA de Massachusetts.

O projeto foi concebido no verão de 1960, quando Leary, professor do departamento de Psicologia de Harvard e à época uma estrela em ascensão nesta área, estava de férias na costa do Pacífico do México. Lá, Leary relutantemente deu uma oportunidade aos cogumelos mágicos, e a viagem psicadélica que se seguiu à sua utilização mudou fundamentalmente a sua compreensão da realidade. Mais tarde, ele acabaria por afirmar que “aprendeu mais sobre ... [o seu] cérebro e as suas possibilidades ... [e] mais sobre Psicologia nas cinco horas após tomar esses cogumelos do que ... nos 15 anos anteriores de estudo e investigação em Psicologia”.

Convencido de que os psicadélicos poderiam mudar o mundo e que ele próprio poderia liderar essa revolução, Leary retornou a Harvard, onde co-fundou o Harvard Psilocybin Project ao lado de Alpert, do escritor Aldous Huxley (famoso pelo livro “Admirável Mundo Novo”) e outros investigadores. O seu objetivo era determinar experimentalmente os efeitos dos psicadélicos na perceção e no comportamento.

Leary e Alpert administravam psicadélicos aos participantes e depois pedia que eles preenchessem questionários sobre as suas experiências. Por meio desses relatos e da sua própria experiência pessoal usando essas substâncias, Leary e Alpert foram pioneiros no conceito de “set and setting”, a ideia de que o contexto em que os psicadélicos são tomados afeta a experiência do indivíduo enquanto está sob os seus efeitos.

Os métodos experimentais de Leary prontamente levantaram algum ceticismo, tendo em conta que Leary e Alpert por vezes ingeriam essas substâncias ao lado dos seus alunos. Além disso, naquele que foi um dos seus projetos mais infames, o Concord Prison Experiment, Leary e a sua equipa administraram psilocibina em indivíduos encarcerados e que em breve lhes seria concedida a liberdade condicional de forma a observar os efeitos da substância nas taxas de reencarceramento. A pedido de Leary, um estudante universitário também utilizaria essa substância em conjunto com os reclusos.

No outono de 1962, em resposta às críticas relativas aos seus métodos de investigação, a dupla formou uma organização privada para administrar e estudar estas substâncias psicadélicas fora dos limites dos regulamentos de Harvard: a International Foundation for Internal Freedom (IFIF).

Logo após a formação do IFIF, o então reitor da Universidade de Harvard, John U. Monro, e Dana L. Farnsworth, então diretora dos Serviços de Saúde da Universidade de Harvard, divulgaram uma declaração conjunta na qual expressavam preocupação com supostas “evidências diretas” de um crescimento no mercado de drogas em Harvard Square, que havia conduzido a um aumento no uso de “LSD, psilocibina, mescalina e outras drogas que distorcem a mente” entre os estudantes de Harvard. Esta declaração advertiu que tais "drogas podem resultar em sérios riscos à saúde mental, mesmo em pessoas aparentemente normais”.

Leary viu essa declaração como um ataque aos psicadélicos com graves “implicações filosófico-políticas”. Numa resposta de 1962 publicada no The Harvard Crimson, Leary argumentou que os investigadores não conseguiam entender estas substâncias que criticavam porque não as haviam experimentado. Na sua opinião, os cientistas que tomaram psicadélicos “acabam por alcançar a incrível conclusão de que estão a lidar com uma ferramenta indescritivelmente poderosa”. Leary acrescentou, ainda, uma pergunta aos leitores: “Quem decide sobre o alcance e os limites da vossa consciência? Se vocês quiserem investigar o vosso próprio sistema nervoso, expandam a vossa consciência, quem decidirá que vocês não o podem e porque motivo?”

Na primavera de 1963, Leary parou de cumprir as suas obrigações de ensino, muitas vezes faltando às aulas para viajar. A Universidade não renovou o seu contrato, acabando por efetivamente o demitir.

Na mesma época, surgiram preocupações de que Alpert estaria a administrar estas substâncias a estudantes pré-graduados, violando a política da universidade que só permitia que estudantes pós-graduados experimentassem psicadélicos. Em maio de 1963, o The Harvard Crimson deu a notícia de que, devido a essas alegações, Alpert também havia sido demitido.

Depois de deixarem Harvard, Leary e Alpert continuaram a usar psicadélicos, tornando-se mais envolvidos no movimento da contracultura. Leary deu um discurso num encontro de hippies em São Francisco em 1967, onde popularizou uma das frases emblemáticas da contracultura "Turn On, Tune In, Drop Out". A reputação e a associação de Leary com os psicadélicos amplificaram-se nessa altura. O então presidente Richard Nixon chegou mesmo a apelidar Leary de “o homem mais perigoso da América”; muitos chamavam-no de “Alto Sacerdote do LSD”. Enquanto isso, em 1967, Alpert viajou para a Índia, onde passou por um despertar espiritual, alterando o seu nome para Ram Dass.

Em 1967, após o Summer of Love ("O Verão do Amor"), a opinião pública voltou-se contra os psicadélicos. Os jornais publicaram manchetes sensacionalistas alimentando medos sobre as “bad trips”, experiências psicadélicas mais desafiantes nas quais os indivíduos poderiam incorrer em episódios psicóticos. Os temores sobre potenciais efeitos nocivos combinados com associações aos movimentos da Contracultura pressionavam as autoridades a reprimir estas substâncias. Em 1968, o LSD tornou-se ilegal nos Estados Unidos; o Controlled Substances Act de 1970 classificou oficialmente os psicadélicos como substâncias da Classe I.

Andrew T. Weil, um repórter do Crimson que era fascinado por psicadélicos, desempenhou um papel fundamental na reportagem sobre o escândalo do Harvard Psilocybin Project. Weil tentou, sem sucesso, aceder a estas substâncias através de Leary antes de relatar o escândalo, e ainda hoje, recorda o impacto que a controvérsia em torno deste projeto teve no mundo e na sociedade em geral.

“Quando essa história foi divulgada, foi realmente a primeira vez que a maioria dos americanos ouviu falar de psicadélicos”, diz Weil hoje. “Isso colocou-os na cultura mainstream.”

Weil tornou-se mais interessado em psicadélicos e na medicina alternativa mais tarde na sua vida, acabando por se reconectar com Ram Dass com o intuito de aprender mais sobre as suas crenças espirituais. Ao conhecê-lo, de acordo com Weil, Dass disse que Weil “lhe tinha dado uma bênção”. Weil diz que Dass lhe referiu que se ele tivesse permanecido no seu cargo em Harvard, “isso tê-lo-ia matado”.

Weil concorda: “ele não pertencia ao ambiente académico".

Novos trilhos na neve

Atualmente, após uma pausa de várias décadas, a investigação científica com substâncias psicadélicas está a ressurgir em algumas das instituições académicas mais respeitadas dos EUA (e do mundo) – inclusivamente em Harvard.

Jerry F. Rosenbaum, professor de Psiquiatria da Harvard Medical School que foi diretor do departamento de Psiquiatria do Massachusetts General Hospital durante 20 anos, lidera o novo Center for the Neuroscience of Psychedelics desse hospital, fundado em abril de 2021. O centro é um dos vários centros de investigação psicadélica, nos quais também se incluem a Universidade de Johns Hopkins, Berkeley e New York, os quais também surgiram nos últimos anos.

Rosenbaum interessou-se por este tema após ter participado numa conferência sobre psicadélicos no Broad Institute, onde escutou uma palestra sobre como os psicadélicos afetam as mesmas redes neuronais do cérebro implicadas na ruminação, um fenómeno associado à depressão e à ansiedade. Com o intuito de estudar de que forma os psicadélicos pudessem ser a chave para ajudar os seus pacientes deprimidos e ansiosos, Rosenbaum decidiu lançar este centro de investigação para promover mais investigações.

“Não me lembro de ter encontrado alguém que se opusesse a que eu fizesse isso”, diz Rosenbaum sobre a fundação do centro de investigação.

Resultados preliminares revelaram a eficácia das substâncias psicadélicas, o que acabou por erodir em grande parte os receios remanescentes dos anos 60 sobre o seu difundido potencial aditivo e de overdose, que hoje se sabe ser falso. Além de constituir um tratamento promissor da PSPT, os psicadélicos demonstraram ajudar no tratamento de outras doenças, incluindo a depressão, onde num estudo recente reduziram os sintomas em 71% dos pacientes. Da mesma forma, os psicadélicos também demonstraram ser úteis no tratamento da ansiedade, dependência de opióides e nicotina, abuso do álcool e Perturbação Obsessivo-Compulsiva.

“Tendo em conta esta inevitabilidade, fazia claramente parte da nossa responsabilidade a missão de nos envolvermos e entendê-los melhor”, diz Rosenbaum.

Os dados sobre a segurança destes fármacos também têm sido promissores. As overdoses com psicadélicos essencialmente não acontecem, uma vez que tal dose teria que ser 1000 vezes maior do que a dose que provoca efeitos psicadélicos. Em comparação, uma dose de heroína apenas precisa ser 5 vezes "mais forte". "Bad trips", que já foram uma grande preocupação pública em torno destas substâncias, podem não se apresentar como um risco tão grande quanto se pensava anteriormente. Num estudo com pessoas que tiveram uma experiência desafiante com psilocibina, 39% dos entrevistados referiram que essa foi uma das cinco experiências mais desafiadoras das suas vidas. No entanto, 84% dos entrevistados também referiram que beneficiaram dessa mesma experiência e 46% disseram que repetiriam a sessão novamente, atendendo aos resultados que tiveram.

O Center for the Neuroscience of Psychedelics visa compreender os mecanismos subjacentes aos efeitos dos psicadélicos no cérebro com uma variedade de métodos; um laboratório do centro estuda a neuroquímica subjacente à sua função e outro ramo concentra.se em estudos funcionais utilizando ressonância magnética.

A abordagem deste centro contrasta com a de Leary, que praticamente abandonou o método científico nos anos 60, afirmando que “estas substâncias são demasiado poderosas e controversas para serem investigadas ​​em ambientes académicos”.

“Devemos ancorar a investigação que temos vindo a realizar na sua metodologia”, diz Rick E. Doblin, diretor executivo da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS), uma organização sem fins lucrativos envolvida na investigação, política e financiamento das substâncias psicadélicas. Segundo Doblin, a investigação com estas substâncias oferece desafios particulares uma vez que algumas metodologias que os investigadores normalmente utilizam, como a administração de placebos, são difíceis de replicar com psicadélicos.

Investigar substâncias psicadélicas também é difícil porque é difícil definir uma experiência psicadélica. Ainda se fala bastante sobre a ideia de Leary de “set and setting” - isto é, que o local em que são utilizadas, o seu estado emocional e os efeitos esperados apresentam uma influência significativa sobre o que se acaba por experienciar quando se utilizam psicadélicos. Tal dificulta a replicação de ensaios – "de que forma uma combinação tão única de fatores, incluindo sentimentos intangíveis, pode ser recriada para testar a validade dos resultados?"

Os investigadores reconheceram que os psicadélicos diminuem a atividade numa região do cérebro chamada de Default Mode Network (DMN), responsável por criar constructos mentais que formam as partes mais básicas da nossa realidade. Estes constructos incluem o Ego, bem como as diversas suposições que o cérebro faz relativamente a como as coisas deveriam ser. Quando os psicadélicos suprimem esta rede, a perda desses constructos resulta numa perceção distorcida, às vezes na forma de alucinações. Os utilizadores por vezes também perdem o senso de individualidade, algo chamado “dissolução do ego”. A DMN inibe também partes do cérebro envolvidas na emoção e na memória, e é por isso que o uso de psicadélicos pode desencadear emoções tão intensas.

Michael K. Pollan, professor do Departamento de Inglês de Harvard e autor do livro de 2018 “How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teachers Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence”, baseia-se numa interessante analogia com neve para explicar o efeito destas substâncias na DMN. O livro de Pollan cita Mendel Kaelen, um investigador holandês, que explica que a DMN forja caminhos semelhantes aos que criamos enquanto descemos uma colina. Com o tempo, à medida que mais trenós descem essa colina, formam-se sulcos cada vez mais profundos, atraindo outros trenós também embalados pela gravidade. Essa descida torna-se mais fácil e rápida, mas restringem o movimento noutras direções distintas. Suprimir a atividade da DMN pela utilização de psicadélicos é como percorrer os primeiros rastros através da neve não sulcada, permitindo que os indivíduos contrariem os padrões habituais de pensamento e se criem novos caminhos.

Doblin concentra-se, também, no efeito dos psicadélicos na psicoterapia, uma vez que estes podem torná-la mais eficaz. “Na verdade, o que as pessoas estão a fazer é uma forma de psicoterapia, e substância ajuda nisso."

Ainda assim, mais estudos precisam de ser realizados de forma a entender completamente estas substâncias – um processo dificultado pela sua classificação como substâncias de Classe I, uma vez que os investigadores precisam de passar por extensas avaliações pela DEA. Desde 1966, o National Institutes of Health só financia estudos com psicadélicos em settings muito limitados, tornando organizações como a MAPS, que solicita doações para investigação, ainda mais importantes. Rosenbaum está otimista de que o NIH possa começar a financiar mais estudos, já que financiou um estudo em 2021, pela primeira vez desde 2006. Por enquanto, contudo, o centro de Rosenbaum depende parcialmente de filantropos para o financiamento de novos estudos. “Existe uma maior flexibilidade com filantropos do que com essas entidades, por isso é que é importante para o surgimento deste tipo de centros exista uma base filantrópica substancial”, diz Rosenbaum.

O centro do MGH ainda está nas fases iniciais de lançamento e ainda não realizou nenhum ensaio com humanos, ainda que já tenha recebido aprovação para tal. “O facto de estarmos nesta área, onde existe muita coisa a acontecer, adiciona alguma credibilidade científica à mesma, pelo menos para aqueles que ainda não estão dentro desta bolha de investigação”, diz Rosenbaum.

"A Era de Ouro dos Psicadélicos"

São 19h numa quinta-feira, e voluntários afiliados ao Bay Staters for Natural Medicine, um movimento criado para descriminalizar as substâncias psicadélicas no estado do Massachusetts, entram numa sala do Google Meet.

Alguns são participantes frequentes e cumprimentam-se; outros são novos. O cofundador do grupo, James P. Davis, dá as boas-vindas a todos quando se juntam a esta chamada semanal. Uma a uma, as pessoas compartilham as suas experiências com psicadélicos.

Um jovem, que é novo no grupo e juntou-se a este grupo utilizado o nome da sua banda “Pretty Rotten”, fala sobre a PHDA, a ansiedade e a depressão que vivenciou desde criança e como as psicadélicos o ajudaram quando os experimentou no ensino secundário. Uma jovem conta a sua experiência de utilizar cogumelos pela primeira vez durante o Coachella; ela acha que eles “são o futuro”. Uma mulher mais velha fala sobre as suas experiências como terapeuta durante a atual crise de saúde mental no mundo.

Após uma breve discussão em grupo, começa a próxima parte da reunião. A sala fica em silêncio e as pessoas seguem uma folha que os instrui a ligar e enviar e-mails aos políticos ali mesmo, avançando a missão dos Bay Staters de “acabar com a guerra às drogas e expandir o acesso equitativo e acessível a plantas enteógenas naturais e fungos como os cogumelos mágicos no estado do Massachusetts”.

Embora só existam desde o início de 2020, os esforços dos Bay Staters têm vindo a ser bem-sucedidos até agora. Os Bay Staters, como parte da Massachusetts Coalition for Decriminalization, ajudaram a elaborar legislação em Cambridge, Somerville, Northampton e Easthampton descriminalizando os enteógenos, psicadélicos que ocorrem naturalmente nas plantas e fungos e esperam que várias outras cidades os descriminalizem nos próximos meses.

De acordo com a legislação de Cambridge, aprovada em fevereiro de 2021, o policiamento do uso de psicadélicos está agora “entre a menor prioridade de aplicação da lei” e nenhuma penalidade criminal será imposta por posse. O movimento em direção à descriminalização também está a acontecer em vários outros lugares do país; o Oregon recentemente legalizou o uso supervisionado de psilocibina.

Os Bay Staters ainda têm muito trabalho a fazer. A ordem de trabalhos daquela quinta-feira consistia em fazer ligações para os políticos do Massachusetts, defendendo políticas de drogas que não impõem penalizações pela sua posse. Davis explica que mesmo pequenas multas continuam a estigmatizar o uso de psicadélicos e representam um grande custo para aqueles que são economicamente desfavorecidos ou que são mais propensos a serem detidos por posse de drogas. “No final de contas, não quero que tenhamos que comprometer a legislação estadual que é feita de maneira grosseira ou inacessível, porque os riscos são muito altos”, diz Davis.

A legalização em maior escala só pode ser feita a nível estadual e federal. Atualmente, a punição federal por porte de drogas psicadélicas representa uma multa mínima de US$ 1.000 e até um ano de prisão.

Mason M. Marks, professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade de New Hampshire, duvida que mesmo que a sua reclassificação, que só pode ser feita pelo Congresso ou pelo Procurador-Geral, aconteça em breve, aponta para as dificuldades que os defensores da canábis enfrentaram ao tentar reclassificá-la. “Acho que a lei dos psicadélicos ao nível federal ficará estagnada”, diz Marks.

A falta de bolsas de estudos sobre esta temática inspirou Marks a formar o The Project on Psychedelic Law and Regulation na Harvard Law School, a primeira iniciativa académica para estudar a lei e a política dos psicadélicos. O centro realiza pesquisas e hospeda eventos sobre os aspetos legais, éticos e sociais destas substâncias, com o objetivo de “promover segurança, inovação e equidade na pesquisa, comércio e terapêutica de psicadélicos”.

Entre outros tópicos, o centro examina a classificação do governo federal dos psicadélicos como substâncias da Classe I, que persiste apesar das evidências de que os psicadélicos não são assim tão perigosos como se julgava há várias décadas atrás.

A nível local, no entanto, a descriminalização é mais viável, explica Marks, citando evidências sobre a eficácia dos psicadélicos como uma potencial solução para o aumento de overdoses de opióides e crises de saúde mental. “Essas cidades e estados estão a assistir à morte das sua pessoas”, diz Marks. “Enquanto isso, eles sabem que a aprovação da FDA para o uso terapêutico das substâncias psicadélicas estão a dois ou três anos de acontecer, e pensam: 'Precisamos fazer algo imediatamente para proteger essas pessoas'”.

Para alguns grupos de defesa, enquadrar a discussão em torno dos psicadélicos como uma prioridade médica é parte de um esforço consciente para distanciar as substâncias de suas conotações hippies e contraculturais. Doblin chama o LSD de “grande bicho-papão dos psicadélicos” porque está fortemente ligado a essa história. “Nós propositadamente queríamos evitar essa reação porque estas substâncias eram identificadas com a Contracultura, com os projetos da Guerra do Vietname, com Timothy Leary a incentivar o questionamento da autoridade. Ao seguir o caminho da medicalização, Dobin sugere que os psicadélicos possam até seguir os passos da canábis, utilizando a aprovação médica para obter uma aceitação mais ampla.

Se o investimento privado é uma necessidade, a estratégia de medicalização está a funcionar também nesse sentido. Milhões de dólares estão a fluir para startups de psicadélicos, num estimado em mais de US$ 10 bilhões até 2027. Um deles, a Emotional Intelligence Ventures, gerou mais de US$ 20 milhões até agora, anunciando o Psilly, um medicamento derivado da psilocibina. “A Idade de Ouro dos Psicadélicos” está estampada na página inicial do seu site de investidores, que também apresenta uma linha do tempo histórica do uso destas substâncias e estatísticas enfatizando a gravidade da crise de saúde mental.

Doblin prevê um cronograma rápido para as aprovações - MDMA, uma substância psicoativa que tem sido eficaz no tratamento da PSPT em ensaios clínicos, deverá ser aprovada pela FDA até 2023. Doblin prevê que a psilocibina como tratamento para a depressão seguir-se-á nos anos seguintes.

Porém, como será exatamente o uso de psicadélicos no futuro ainda é incerto. Enquanto as startups em fase inicial tentam lucrar com um mercado em expansão antecipado, outras temem que as tentativas de lucrar com essas substâncias reduzam a sua acessibilidade. “Quanto mais medicalizado isto torna, mais caro fica”, diz Davis, citando preocupações com o custo dos medicamentos e com a possibilidade de serem contratados facilitadores devidamente capacitados.

Davis tem uma objeção ainda mais fundamental à medicalização das substâncias psicadélicas: acredita que os psicadélicos podem ter tremendos impactos fora do consultório médico, e que traçar uma linha entre o uso médico e o uso recreativo é inútil.

“Todos vamos experienciar rejeição, fracasso e diversos contratempos ao longo das nossas vidas, e não há manual do DSM que possa classificar todos esses desafios espirituais que encontramos na vida”, diz Davis, referindo-se ao manual de diagnóstico usado pela American Psychiatric Association que classificar as doenças psiquiátricas. “Não acreditamos que deva haver uma forte distinção entre uso 'recreativo' e 'medicinal'”.

Saída do Underground

Está uma noite fria de novembro, e as pessoas entram no Claverly Hall da Adams House, seduzidas pelos sons da música ao vivo e pela promessa de arte inspirada em psicadélicos. Circulam, examinando uma variedade de pinturas em tela, posters e arte digital e, eventualmente, têm a oportunidade de licitar os seus favoritos durante um leilão informal.

O evento é organizado por uma nova organização universitária que fez sucesso no campus: o Harvard Psychedelics Club, liderado pelos seus co-presidentes Yana Y. Lazarova-Weng, de 23 anos, e Max G. Ingersoll, de 24. A mostra de artes, um dos primeiros eventos do clube, foi emblemática da missão do mesmo: “criar um espaço onde pessoas com diferentes graus de interesse por psicadélicos possam vir e conversar umas com as outras”, segundo Lazarova-Weng.

Tanto Lazarova-Weng quanto Ingersoll compartilham um interesse nestas substâncias. Para Lazarova-Weng, um projeto escolar sobre Albert Hoffman, o químico suíço que sintetizou o LSD, fez com que ela reconsiderasse os seus preconceitos sobre as substâncias. Mais tarde, ela leu “Be Here Now”, o livro de Ram Dass sobre espiritualidade, que aprofundou este seu interesse espiritual por estas substâncias. Agora, diz querer trabalhar numa startup ou empresa de psicadélicos depois de se formar.

Para Ingersoll, este seu interesse veio de um retiro de meditação que fez durante um ano sabático. Ele conheceu Lazarova-Weng num seminário para caloiros sobre mindfulness e budismo e rapidamente estabeleceram uma relação.

Agora, Lazarova-Weng e Ingersoll estão a tentar espalhar a sua paixão para outros alunos da Universidade. Este ano, além desta mostra de arte, o clube organizou eventos com palestrantes, noites de cinema e um evento formal, todos com o objetivo de promover a discussão sobre psicadélicos.

A sua visão para o clube é um pequeno, mas significativo, afastamento da liderança anterior do clube. Quando foi fundado em 2019, o clube chamava-se Harvard Science of Psychedelics Club e concentrava-se principalmente na investigação científica que estava a ser realizada. Quando Ingersoll e Lazarova-Weng assumiram o clube este ano, decidiram renomeá-lo como apenas o Harvard Psychedelics Club. “Queríamos receber alunos com diversos interesses e de diferentes áreas, atrair pessoas que não estivessem apenas interessadas na ciência dos psicadélicos, mas também na história deles, nos papéis que desempenharam em diferentes culturas, religiões e arte”, diz Lazarova-Weng.

Embora tenham sido renomeados para serem mais inclusivos, Lazarova-Weng e Ingersoll foram muito cuidadosos em retratar o seu clube como profissional e, acima de tudo, sóbrio. A arte da sua página do Instagram é principalmente em preto e branco, minimalista e apresenta muitas linhas retas, um desvio da arte ondulada e colorida geralmente associada a psicadélicos – e à contracultura dos anos 60. Lazarova-Weng diz que é muito cuidadosa ao explicar o que é o clube ao solicitar financiamento do Conselho de Graduação. Ingersoll diz que essa cautela vem, em parte, de tentar aprender com os erros de Leary e Alpert. “Parte de nossa política de sermos tão inflexíveis relativamente a não usar estas substâncias no nosso clube, em qualquer um dos nossos eventos, é para que as pessoas não se distraiam e percam o foco naquilo que estamos a fazer”. O objetivo do clube é fornecer um espaço para discussões imparciais e equilibradas sobre substâncias psicadélicas, não para incentivar o seu uso.

No semestre anterior, o clube teve problemas em encontrar um advisor, o que Lazarova-Weng acha que se pode ter devido ao estigma que ainda envolve estas substâncias. “Um deles disse-nos que, por fazer investigação em Harvard, não pode estar associado aos psicadélicos, porque isso poderia levar a uma má interpretação das suas investigações”.

Eventualmente, John Wakeley, professor de Biologia Organísmica e Evolutiva, concordou em ser advisor, embora também estivesse preocupado com a natureza sensível do tópico. “Foi uma das primeiras coisas que falei com Lazarova-Weng e Ingersoll, mas eles convenceram-me de que não precisava de me preocupar”, escreveu Wakeley num e-mail. “Eles impressionaram-me por serem muito responsáveis ​​e comprometidos em evitar qualquer impressão errada sobre o que é o clube.”

Embora o Harvard Psychedelics Club tenha entrado pelos olhos do público através da sua exposição de arte, Lazarova-Weng sente que a natureza controversa dos psicadélicos conduz a que algumas pessoas não os levem a sério. “Acho que com um clube como este, há sempre um aspeto que vai parecer com conotações underground”. No entanto, relativamente à experiência com a mostra de arte, sente que a mudança está a chegar. “Está lentamente a começar a parecer um pouco mais mainstream”, diz ela.

Ige, o Veterano e atual caloiro de Harvard, não é afiliado ao Harvard Psychedelics Club, mas também está entusiasmado em apresentar novas pessoas ao poder dos psicadélicos – embora por meios mais clandestinos. No semestre passado, Ige ajudou a organizar uma cerimónia de DMT fora do campus. O grupo reuniu-se numa casa, onde cada pessoa foi individualmente a uma sala para tomar DMT, um forte psicadélico cujos efeitos costumam durar 15 a 20 minutos, com o auxílio de um facilitador. Para Ige, foi significativo ver o efeito que os psicadélicos tiveram nos outros. “Depois de cada um deles sair, podíamos ver as diferenças imediatas”.

Ele também está feliz por estar a desempenhar um papel na divulgação dos benefícios dos psicadélicos. “Através dos psicadélicos, recuperei o controle da minha vida”, diz Ige. “Sinto que sou uma pessoa melhor e gostaria de trazer isso para outros e ajudar na validação destas substâncias.”

Ige é apenas um entre um movimento emergente de defensores, entusiastas e investigadores psicadélicos em Harvard que trabalham para se livrar da bagagem histórica dessas substâncias e repensar no seu futuro. Eles mudaram de ideia – e estão a pedir-nos para seguirmos o exemplo.

Artigo Original de  Io Y. Gilman e Kendall I. Shields, publicado no The Harvard Crimson a 19/02/2022.

Imagem: Sophia Salamanca

Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico Psiquiatra | SPACE (Direção)

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