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Ketamina como uma alternativa viável à ECT para depressão grave?

Ketamina como uma alternativa viável à ECT para depressão grave?

4 de junho de 2023 6 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • Ketamina

A eletroconvulsivoterapia (ECT) é o tratamento goldstandard para a depressão resistente, mas os resultados de um novo estudo randomizado sugerem que a ketamina intravenosa é pelo menos tão eficaz e tem menos efeitos laterais.

"A mensagem para levar para casa agora é que, se alguém está a ser encaminhado para ECT, o clínico assistente deve pensar em oferecer a hipótese de o doente passar por uma intervenção com ketamina primeiro", disse o investigador do estudo Amit Anand, professor de Psiquiatria da Harvard Medical School, Boston, Massachusetts, à Medscape.

O estudo foi publicado online em 24 de maio no The New England Journal of Medicine.

"Gold-standard" Mais de um terço dos casos de depressão são resistentes ao tratamento, disse Anand, que também é diretor de Ensaios Clínicos Translacionais de Psiquiatria no Mass General Brigham. A ECT tem sido o "gold-standard para o tratamento da depressão grave por mais de 80 anos".

Acrescentou que, embora a ECT seja muito eficaz e de ação rápida, "ela requer anestesia, pode ser socialmente estigmatizante e está associada a problemas de memória após o tratamento".

Um agente anestésico, a ketamina demonstrou ter efeitos antidepressivos rápidos e não causa perdas de memória ou carrega o estigma associado à ECT, acrescentou. Por estas razões, os investigadores examinaram se esta poderia ser uma alternativa viável à ECT.

Até o momento, nenhum grande estudo comparativo tinha comparado a ECT à ketamina intravenosa. Uma meta-análise recente mostrou que a ECT foi superior à ketamina para depressão major, mas o número total de pacientes incluídos na análise foi pequeno, disse Anand.

Além disso, a maioria dos participantes desse estudo era proveniente de um único centro. Aproximadamente 95 pacientes foram inscritos em cada braço do estudo, que incluiu alguns participantes com depressão com sintomas psicóticos. “A ECT é muito eficaz para a depressão associada com sintomas psicóticos, o que pode ser uma das razões pelas quais a ECT teve uma resposta melhor naquele estudo”, disse Anand.

Os investigadores compararam a ECT à ketamina numa amostra maior que excluiu pacientes com sintomas psicóticos. Eles randomizaram aleatoriamente 403 pacientes em cinco centro clínicos do estudo numa proporção de 1:1 para receber ketamina ou ECT (n = 200 e 203, respetivamente; 53% e 49,3% mulheres, respetivamente; com idade de 45,6 ± 14,8 e 47,1 ± 14,1 anos, respetivamente).

Os pacientes deveriam ter tido previamente uma resposta insatisfatória a dois ou mais tratamentos antidepressivos durante dose e tempo adequados.

Antes do início do tratamento, 38 pacientes desistiram, totalizando no final 195 no grupo ketamina e 170 no grupo ECT.

O tratamento foi administrado durante um período de 3 semanas, durante o qual os pacientes receberam ECT três vezes por semana ou ketamina (0,5 mg/kg de peso corporal) duas vezes por semana.

O outcome primário foi a resposta ao tratamento, definida como uma diminuição de ≥50% da baseline no Inventário Rápido de Auto-relato de Sintomatologia Depressiva de 16 itens (QIDS-SR-16). Os resultados secundários incluíram pontuações em avaliações de impacto cognitivo e qualidade de vida relatada pelo paciente.

Os pacientes que apresentaram resposta foram acompanhados por 6 meses após a fase inicial de tratamento.

Mais investigação é necessária Após o período de tratamento de 3 semanas, um total de 55,4% dos pacientes que receberam ketamina e 41,2% dos pacientes submetidos à ECT responderam ao tratamento, o que se traduz em uma diferença de 14,2 pontos percentuais (95% CI, 3,9 – 24,2; P <. 001) ― uma descoberta que caiu dentro do limite de não inferioridade definido pelos investigadores.

A ECT foi associada à diminuição da evocação mnésica após as 3 semanas de tratamento, com uma diminuição média (SD) no T-score para evocação atrasada no Hopkins Verbal Learning Test–Revised de -.9 (1.1) no grupo da ketamina vs - 9,7 (1,2) no grupo ECT (diferença, -1,8 pontos [-2,8 a -,8]).

A remissão, determinada com base no score QIDS-SR-16, ocorreu em 32% do grupo ketamina e em 20% do grupo ECT. Achados semelhantes foram vistos na Escala de Avaliação da Depressão de Montgomery-Åsberg (MADRS).

Ambos os grupos apresentaram melhorias significativas na qualidade de vida, com mudanças de 12,3 e 12,9 pontos, respetivamente, na Escala de Qualidade de Vida de 16 itens.

“A ECT foi associada a eventos adversos musculoesqueléticos, enquanto a ketamina foi associada à dissociação”, observaram os investigadores. Durante o período de acompanhamento de 6 meses, houve diferenças nas taxas de recaída entre os grupos (definido como escore QIDS-SRS-16 > 11):

A ECT demonstrou ser eficaz para adultos mais velhos, pacientes com Depressão Major e sintomas psicóticos, em ambientes de internamento e investigação. Estudos futuros são necessários para determinar a eficácia comparativa da ketamina nessas populações, observam os autores.

Não são life-changing Em entrevista à Medscape, Dan Iosifescu, professor de psiquiatria na NYU Grossman School of Medicine, hamou-o de "estudo extraordinariamente importante e clinicamente relevante, com uma população grande, bem desenhado e bem conduzido". Iosifescu, diretor da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto Nathan Kline, que não participou do estudo, observou que o estudo não tinha poder para determinar se um tratamento era superior ao outro, mas avaliou a não inferioridade. “O ponto principal deste estudo é que os dois tratamentos são amplamente equivalentes, embora numericamente a ketamina tenha sido ligeiramente associada a resultados mais benéficos e menos efeitos laterais a nível cognitivo”.

As descobertas sugerem "que as pessoas que não têm contra-indicações e são candidatas tanto à ketamina quanto à ECT - que é a grande maioria das pessoas com depressão resistente ao tratamento - devem considerar primeiro um tratamento com ketamina porque tem melhor perfil em termos de efeitos laterais e logística, posteriormente considerando iniciar ECT caso a ketamina não funcione."

Numa declaração de follow-up, Robert Freedman, professor clínico da Universidade do Colorado, Denver, observou que, embora "3 semanas de humor eutímico sejam sem dúvida uma dádiva para esses doentes, os resultados deste estudo atual sugerem que o tratamento de 3 semanas não foi life-changing”, uma vez que os efeitos desvaneceram ao final de 6 meses em ambos os grupos (ECT e ketamina).

O tratamento de longo prazo com ketamina "aumenta a probabilidade de dependência e efeitos adversos a nível cognitivo, incluindo dissociação, paranoia e outros sintomas psicóticos", disse Freedman.

O mesmo recomenda que os documentos de consentimento informado sejam usados para alertar pacientes e médicos para que com a ketamina "o alívio temporário pode vir com outras necessidades a longo prazo [tratamento de manutenção, à semelhança da ECT]".

Artigo original de Batya Swift Yasgur, publicado na Medscape a 01/06/2023. Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico de Psiquiatria | SPACE (Direção)

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