Psicadélicos e o futuro da Psiquiatria
17 de março de 2022 • 7 minutos de leitura
- Pedro Mota
- MDMA
- Psilocibina
- Psiquiatria
Bem-vindos à Renascença Psicadélica.
Ao longo dos últimos anos, temos testemunhado um renascimento no interesse das substâncias psicadélicas, e um crescente corpo de evidência sugere que várias destas apresentam um forte potencial terapêutico para uma ampla gama de perturbações psiquiátricas.
Em tempos descartadas por serem perigosas e com pouco/nenhum potencial terapêutico, as substâncias psicadélicas estão a ganhar aceitação popular crescente. Os dados das investigações clínicas continuam a demonstrar que, em geral, estes fármacos não são apenas seguros, mas principalmente bem tolerados. Embora sejam necessários mais ensaios para entender melhor a sua segurança, especialmente no contexto de pessoas com doença mental grave ou com alto risco para as desenvolver, esses perfis de segurança (para já) favoráveis têm vindo a permitir uma investigação mais aprofundada destas substâncias.
O termo psicadélico foi cunhado na década de 1950 pelo psiquiatra Humphry Osmond, e significa literalmente “manifestação da mente”. Esta classe de substâncias produz mudanças na percepção, pensamento e humor com impacto mínimo na orientação. Ao contrário do álcool, benzodiazepinas e barbitúricos, os psicadélicos não levam a uma degradação dos processos cognitivos ou a uma aceleração dos mesmos, tal como acontece com os estimulantes.
Vários estados e cidades dos EUA estão em processo de legalização ou descriminalização de psicadélicos, nomeadamente da psilocibina, 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), dietilamida do ácido lisérgico (LSD) para fins terapêuticos e, em alguns casos, até para populações não-clínicas. Em 2020, a Oregon Ballot Measure 109 foi aprovada, permitindo que provedores de serviços licenciados administrassem produtos de psilocibina a indivíduos com idade igual ou superior a 21 anos, tornando o Oregon o primeiro estado a legalizar a psilocibina. O fármaco não estará disponível comercialmente ou para uso doméstico uma vez que existem regulamentos rigorosos para garantir que a psilocibina seja usada apenas sob a supervisão de facilitadores treinados. Este foi um marco importante na medicina psicadélica, tendo aberto as portas para um acesso mais amplo à terapia com psilocibina de forma segura e legal.
A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA também demonstrou interesse em priorizar a aprovação de certas substâncias psicadélicas. Tanto a psicoterapia assistida por psilocibina para perturbação depressiva major (DM) e depressão resistente ao tratamento, como a psicoterapia assistida por MDMA para Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT) receberam a designação de Breaktrough Therapy pela FDA para acelerar o processo de aprovação devido à crescente evidência clínica que demonstra melhoria substancial em relação às terapias atualmente disponíveis.
Questões de segurança e Expansão
Os crescentes resultados da investigação clínica continuam a confirmar que os medicamentos psicadélicos não são apenas seguros, mas bem tolerados pela maioria dos participantes. Um estudo usando a psilocibina revelou que casos de complicações de saúde mental após a utilização de psicadélicos são raros (<0,1%) mesmo em populações vulneráveis (<0,2%), e mais raros ainda naqueles com triagem adequada. Outro estudo examinou os psicadélicos clássicos (LSD, psilocibina e mescalina) não tendo encontrado evidências do aumento das taxas de problemas de saúde mental; na verdade, demonstrou que o uso de psicadélicos estava associado à redução do sofrimento psicológico e da ideação suicida. Além disso, resultados de estudos que examinaram os padrões de uso de substâncias psicadélicas em humanos, bem como a autoadministração em animais, sugerem que os psicadélicos clássicos apresentam pouco ou nenhum potencial de abuso e podem até ser antiaditivos.
Os resultados de outros estudos sugerem que os psicadélicos podem ter efeitos protetores quando se trata de doenças mentais em geral. Reunindo mais de 190.000 adultos, os investigadores avaliaram a relação do uso de psicadélicos clássicos e sofrimento psicológico e ideação suicida. Estes concluiram que o uso de psicadélicos ao longo da vida estava associado a probabilidades significativamente reduzidas de sofrimento psicológico no último mês, ideação suicida e tentativa de suicídio no último ano. Tal tem vindo a fomentar uma nova perceção sobre o potencial dos psicadélicos em prevenir o suicídio.
Mais ensaios clínicos ainda são necessáriaos para entender completamente a segurança, especialmente no contexto de participantes com condições de risco, e os seus mecanismos de ação. No entanto, os perfis de segurança favoráveis têm vindo a abrir portas para uma investigação mais aprofundada destas substâncias.
MDMA
A psicoterapia assistida por MDMA, o tratamento psicadélico mais próximo de receber a aprovação da FDA, está atualmente em ensaios clínicos de fase 3 em pacientes com PSPT. Um estudo entretanto conluído e publicado incluiu 90 pacientes com PSPT grave e crónica de várias causas diferentes (por exemplo, abuso, combate, traumas sexuais). Vale ressalvar que este era um grupo resistente ao tratamento, ou seja, os pacientes padeciam de PSPT por uma média de 14 anos, sem alívio sintomático. Todos os participantes completaram um programa de tratamento de 12 semanas composto por 3 sessões de cerca de 8 horas, durante as quais receberam MDMA ou placebo, além de sessões semanais de psicoterapia sem uso de qualquer fármaco. Nenhum efeito adverso grave foi reportado além de sintomas leves e transitórios durante o tratamento com o fármaco, nomeadamente náusea ou sudorese. Nenhum aumento no risco de suicídio ou potencial de abuso foi observado no grupo MDMA em relação ao placebo. Dois meses após o tratamento, 67% da coorte de MDMA não apresentava critérios para o diagnóstico de PSPT, em comparação com 32% do grupo placebo. Além disso, 88% das pessoas do grupo MDMA experimentaram uma redução clinicamente significativa nos sintomas (Figura 1).
O MDMA é único na sua capacidade de promover a aceitação e empatia por si mesmo e pelos outros. Além de elevar os níveis de ocitocina, o MDMA estimula a libertação de serotonina, norepinefrina e dopamina, resultando em melhoria do humor e aumento da sociabilidade, permitindo que o paciente se envolva emocionalmente na terapia sem ficar sobrecarregado pela ansiedade ou emoções difíceis. A combinação de medicação e psicoterapia representa uma nova fronteira para a FDA, com desafios únicos a serem abordados, como planeamento das abordagens terapêuticas e formação de terapeutas.
Dr. Robison, autor do texto, é diretor médico da Novamind e do Center for Change; é investigador e coordenador do ensaio clínico de fase 2 da MAPS que estuda a psicoterapia assistida por MDMA para o tratamento de perturbações do comportamento alimentar.
Psilocibina
A psilocibina, o principal componente psicoativo dos “cogumelos mágicos”, está atualmente na fase 2 de ensaios clínicos para DM. Como psicadélico clássico, é um agonista dos receptores serotoninérgicos 5-HT2A no cérebro, que são particularmente abundantes no córtex e regiões associadas a funções cognitivas e interações sociais. A estimulação desse receptor tem sido diretamente ligada à flexibilidade cognitiva e pensamento criativo.
Nos resultados de um dos principais estudos, 71% dos indivíduos com DM que receberam 2 doses de psilocibina responderam ao tratamento e metade dos participantes entrou em remissão (Figura 2). Alguns estudos de follow-up após a terapia, embora pequenos, mostraram benefícios duradouros.
Considerações finais
A medicina psicadélica está a avançar como um novo e promissor paradigma de tratamento, no qual os psicadélicos, combinados com a psicoterapia, têm o potencial de tratar várias perturbações psiquiátricas. Resultados preliminares mostram impactos positivos destes tratamentos, com melhorias clínicas significativas e poucos – se é que os há – efeitos adversos major. Os resultados emergentes provavelmente têm implicações para futuras investigações nas áreas da psiquiatria, educação e política – e, mais importante, estão prontos para oferecer novas opções terapêuticas e melhorar a vida daqueles que servimos.
Artigo Original de Reid Robison, publicado na Psychiatric Times a 08/02/2022.
Imagem: Iarygin Andrii / AdobeStock
Tradução livre por Pedro Mota
Pedro Mota
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