5 perguntas a Robin Carhart-Harris
16 de março de 2022 • 7 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Personalidades
Em 2014, Robin Carhart-Harris tornou-se a primeira pessoa a administrar legalmente LSD no Reino Unido desde que a substância foi proibida em 1971. O seu trabalho em estudar a atividade cerebral desses participantes - bem como participantes usando MDMA, DMT e psilocibina - estabeleceu Carhart-Harris como um dos cientistas mais conhecidos da ciência psicadélica moderna. Depois de obter um doutoramento em psicofarmacologia, Carhart-Harris conseguiu um emprego no Imperial College London, onde liderou alguns dos primeiros trabalhos de neuroimagem que analisaram a forma como os psicadélicos afetam a atividade cerebral. Nos últimos anos, Robin foi autor de dezenas de artigos científicos sobre psicadélicos, incluindo estudos que investigaram a viabilidade do uso de psilocibina para tratar a depressão e a neurociência de fenómenos como a dissolução do ego.
Em 2019, fundou o Centre for Psychedelic Research no Imperial College London, o primeiro instituto de investigação dedicado à investigação psicadélico no mundo. Em março de 2021, Carhart-Harris anunciou outra nova iniciativa: dirigir um centro de investigação de psicadélicos da Universidade da Califórnia no Neuroscape de São Francisco, um conceituado centro de neurociência. O Microdose conversou com Carhart-Harris sobre a investigação que ele e a sua equipa da UCSF estão a realizar s e como estas áreas de estudo poderão ajudar a informar os profissionais de terapia psicadélica e os seus pacientes.
Passou mais de uma década no Imperial College London e ajudou a estabelecer a instituição como líder na investigação das substâncias psicadélicas – deve ter sido para si uma decisão difícil sair. O que precipitou esta mudança transatlântica?
A cultura e as políticas estão a mudar em torno de psicadélicos, e parecem estar a mudar mais rápido em certos locais dos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar. E eu queria estar perto disso. Num estado norte-americano, o Oregon, a terapia com psilocibina está a ser legalizada e importantes passos numa direção semelhante podem estar a acontecer muito em breve na Califórnia. Isto pode representar muitas oportunidades interessantes de aprendizagem e de administração de tratamentos.
E depois há outros motivos mais toscos: eu gosto bastante do clima aqui, e foi um bom momento para eu e a minha família fazermos uma mudança. Além disso, existe algo sobre este movimento que realmente refresca as coisas - toda esta novidade e incerteza é útil para redefinir todos os nossos modelos e suposições para que possamos aprender coisas novas.
Falando em coisas novas: existem novas direções que procurará explorar na UCSF?
Estamos a projetar um grande programa de investigação que examinará ainda mais detalhadamente a experiência psicadélica e os seus diferentes sub-estados: estados de luta, estados de desapego, libertação, rutura emocional e a formo de como eles influenciam a trajetória do processo terapêutico.
Também estaremos a avaliar sistematicamente como diferentes fatores extrafarmacológicos – set e setting e outros fatores contextuais – influenciam o processo terapêutico. As diferentes variáveis são bastante ricas: a música, a relação com os terapeutas, até o cheiro. Talvez no início ou no final da terapia, seja possível que a pessoa use estímulos visuais, como imagens da natureza, para induzir experiências terapeuticamente úteis, como uma sensação de interconexão com a natureza. Talvez possamos explorar a sinestesia, através de uma brisa quente ou fresca, ou a influência do toque quando feito de maneira apropriada — para ajudar a ancorar as pessoas. Depois, há vários fatores interpessoais como o apoio da comunidade após a experiência. E que tal também adotar uma prática meditativa após a experiência para cultivar mudanças saudáveis e manter a mente aberta, de forma a evitar velhos hábitos menos saudáveis?
O mesmo Set e Setting não será aplicável a todos, mas podemos encontrar um padrão que seja muito bom para a maioria das pessoas. Se pudermos personalizar os dois antes das sessões, mas também estarmos atentos e sermos dinâmicos de forma a alterá-los caso um determinado indivíduo e os seus sentimentos se alterem, como por exemplo, o desejo de quererem mudar uma música. Tudo precisa de ser feito em torno de uma aliança terapêutica entre os profissionais e o paciente durante todo processo. Toda esse plasticidade e adaptação é o caminho que a terapia psicadélica precisa de seguir. É necessário mostrar, e em alto e bom som, que este é um tratamento combinado, o que significa que não é pura farmacoterapia, nem pura intervenção psicoterapêutica. Trata-se de combinar ações farmacológicas que aumentam a sua sensibilidade perante fatores extrafarmacológicos como o set e setting. Precisamos, em primeiro lugar, estabelecer isso e depois aprender a otimizar essas configurações - e é esse o programa de investigação que estamos a elaborar na Neuroscapes.
Essa combinação de fatores é muito importante para estudar – mas também é muito difícil controlar cuidadosamente todas as variáveis da experiência humana. Como poderão estudar e investigar este tipo de fatores?
Houve uma época em que acho que estávamos certos em fazer um estudo aberto sobre depressão resistente ao tratamento, porque isso moveu a agulha e trouxe dinheiro para investimento na investigação. [Nota do editor: Normalmente, é considerado uma boa prática científica garantir que nem investigadores nem os participantes saibam que tratamento os participantes estão a receber, mas em estudos abertos, tanto os participantes quanto os investigadores sabem-no.] Um bom tratamento com psilocibina é semelhante à prática atual que tem vindo a ser padronizada – tal como no nosso estudo do New England Journal of Medicine. Se as pessoas olharem para os dados, verão que a terapia com psilocibina parece muito boa em comparação com o conjunto atual de principais tratamentos farmacológicos para a depressão. Tal foi também importante para definir o contexto para o qual a terapia com psilocibina poderia ser desenvolvido, mas talvez agora seja hora de diminuir um pouco essas restrições de controlo experimental, para que possamos acelerar um grau de exploração de forma a entender melhor como melhorar a terapia psicadélica. Se continuarmos a restringir e corrigir todos os parâmetros de investigação, como poderemos aprender mais? Se tudo o que vemos é um mesmo modelo de sessão de tratamento – por exemplo, de X horas de preparação e integração – então vamos acabar por ficar presos a esse modelo. Temos também que levantar as restrições relativamente à psilocibina. Está na altura de serem lançados alguns projetos híbridos: investigação naturalista, ensaios pragmáticos e iniciativas científicas que também partam dos cidadãos.
Os estudos naturalistas envolvem as pessoas no seu contexto habitual, e esse tipo de iniciativas recrutam pessoas para colher dados sobre si mesmas ou sobre o mundo em seu redor. O que é um projeto de ensaio pragmático?
Um ensaio pragmático é diferente de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, na medida em que tenta replicar as condições do atendimento clínico. Se existe um tratamento devidamente licenciado e está a ser administrado às pessoas, esses dados representam evidências do mundo real. Mas se fizermos um teste antes do seu licenciamento, podemos chamar a isso de um ensaio pragmático. Como clínico, considerando o paciente que está à nossa frente, podemos sentir que uma nova administração de tratamento seria benéfica em três ou seis meses - mas num estudo controlado randomizado duplo-cego, não poderíamos fazer isso porque afetaria o rigor científico do projeto. Ensaios pragmáticos comprometem o rigor científico no interesse da validade ecológica – os estudos replicariam as condições naturais com mais fidelidade e permitiriam maior exploração porque podemos tentar várias coisas, não estamos limitados por um ensaio altamente controlado.
Atualmente, parece bastante provável que a medicalização psicadélica se espalhe além do estado do Oregon. Como é que vê o seu trabalho – passado e futuro – tendo isso em conta?
Existe o perigo de que os facilitadores pensem: “Bem, Hopkins, Imperial e NYU fizeram X, Y e Z, e isso pareceu funcionar muito bem. Vamos apenas replicar isso.” Mas não se projeta estes estudos na crença de que eles serão a forma ideal para fornecer cuidados terapêuticos. Eles simplesmente representam desenhos de estudo apropriados para as questões de investigação que lançámos naquele momento. Mas é incrível, especialmente quando a área é ainda muito recente, de como este trabalho inicial tem sido influente. Vai ser curioso agora que existem tantas equipas diferentes em todo o mundo a fazer diferentes testes e desenhos de estudo. Haverá um grande grau de aprendizagem ao longo dos próximos anos.
O notável trabalho de Robin Carhart-Harris pode ser consultado através da sua página do Research Gate.
Artigo Original de Jane C. Hu, publicado no The Microdose a 10/01/2022.
Tradução livre por Pedro Mota
Pedro Mota
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