Psilocibina 'reconecta' o cérebro para aliviar a Depressão
5 de maio de 2022 • 7 minutos de leitura
- Patrícia Marta
- Psilocibina
Uma nova investigação aponta para um mecanismo geral que pode explicar como os psicadélicos atuam no cérebro para aliviar a depressão e potencialmente outras perturbações psiquiátricas marcadas por padrões fixos de pensamento, incluindo ruminação e auto-foco excessivo.
Conduzida por investigadores da University of California San Francisco (UCSF) e do Imperial College London’s Centre for Psychedelic Research, os resultados são provenientes de uma nova análise de imagens cerebrais de quase 60 doentes com depressão resistente tratada com psilocibina.
“Não se sabe muito sobre as alterações na função cerebral após a experiência psicadélica. Tem havido muito mais investigação feita sobre a ação aguda dos psicadélicos no cérebro, mas existe muito pouca sobre as alterações pós-agudas ou subagudas na função cerebral”, disse o investigador e autor-sénior do estudo Robin Carhart-Harris, antigo responsável do Imperial Centre for Psychedelic Research e agora diretor da Neuroscape Psychedelics Division na UCSF.
“Esta investigação é um grande avanço, porque está a mostrar replicação em dois conjuntos de dados com diferentes designs. Um deles onde o estudo de imagem cerebral é realizado 1 dia após a intervenção e o outro onde o exame pós-tratamento é realizado 3 semanas depois da segunda de duas sessões de terapia com psilocibina”, acrescentou Carhart-Harris.
Este estudo foi publicado online na Nature Medicine a 11 de Abril de 2022.
Um Disruptor?
A psilocibina é um dos vários psicadélicos sob investigação como potencial terapia para perturbações psiquiátricas. Nos últimos 15 anos, pelo menos seis ensaios clínicos separados reportaram melhorias impressionantes nos sintomas depressivos após terapia com psilocibina. Numerosos estudos testaram uma forma sintetizada do fármaco para tratar doentes com depressão e ansiedade – com resultados promissores.
No entanto, a ação terapêutica da psilocibina e de outros psicadélicos serotoninérgicos ainda não é completamente compreendida, embora se saiba que eles afetam os recetores 5-HT2A e seja hipotetizado que interrompam brevemente estas conexões, permitindo que estas se voltem a formar de novas maneiras nos dias e semanas seguintes ao tratamento.
Esta investigação avaliou o impacto subagudo da psilocibina na função cerebral em dois ensaios clínicos de depressão:
O primeiro foi um ensaio open-label de psilocibina oral em doentes com depressão resistente ao tratamento. Os doentes tiveram uma avaliação clínica inicial e uma ressonância magnética funcional em repouso, seguidas de dias de dosagem “baixa” (10mg) e “alta” (25mg) de terapia com psilocibina numa ordem fixa e separados entre si por uma semana. Dos 19 doentes recrutados, 3 foram excluídos por movimento excessivo da cabeça na ressonância. A equipa confirmou um efeito antidepressivo da psilocibina em 16 doentes, através de pontuações reduzidas no questionário comparativamente às pontuações iniciais.
A modularidade da rede cerebral estava significativamente diminuída 1 dia após a terapia com psilocibina em 10 dos 16 participantes (diferença média, -0.29; t15 = 2.87, 95% CI 0.07-0.50, P = .012, d = .72). Este resultado implica um aumento na conectividade funcional entre as principais redes intrínsecas do cérebro. As alterações na modularidade pré- versus pós-tratamento correlacionaram-se significativamente com a alteração na pontuação na Escala de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory = BDI) aos 6 meses, relativamente ao valor basal (r14 = 0.54, 95% CI, 0.14-0.78, P = .033). Os resultados sugerem que a diminuição da modularidade cerebral 1 dia após a terapia com psilocibina está relacionada com melhorias a longo-prazo na gravidade dos sintomas.
Alternativa Antidepressiva Eficaz?
O segundo ensaio clínico foi um ensaio randomizado controlado duplamente-cego de fase 2 que comparou a psilocibina com o escitalopram (Lexapro). 21 doentes foram incluídos na amostra de imagem com escitalopram e 22 doentes foram incluídos na amostra de imagem com psilocibina.
Os doentes receberam duas doses de 25 mg de psilocibina oral, com 3 semanas de intervalo entre elas, mais 6 semanas de placebo diariamente (“grupo de psilocibina”), ou então duas doses de 1 mg de psilocibina oral, com 3 semanas de intervalo entre elas, mais 6 semanas de escitalopram 10-20mg diariamente (“grupo de escitalopram”). A ressonância magnética funcional foi realizada antes do início do tratamento e 3 semanas após a segunda dose de psilocibina.
Em média, as reduções na gravidade dos sintomas depressivos medidas pelo BDI foram significativamente maiores com a psilocibina do que com o escitalopram, indicando uma eficácia superior da terapia com psilocibina versus escitalopram.
A evidência indicou que a redução na modularidade cerebral e a sua relação com a gravidade da depressão foi específica do grupo da psilocibina. No grupo do escitalopram, a modularidade cerebral não se alterou e não se verificou nenhuma correlação significativa entre as alterações na modularidade e alterações nas pontuações do BDI.
As alterações pós-terapia com psilocibina na flexibilidade da rede cerebral foram correlacionadas com as alterações nas pontuações do BDI. Após correção da taxa de descoberta falsa, o aumento da flexibilidade dinâmica da rede neuronal executiva correlacionou-se fortemente com uma maior melhoria sintomática às 6 semanas para o grupo da psilocibina (r20 = -0.76, 95% CI, -0.90 a -0.50, P = .001). Não se verificou correlações significativas entre as alterações nas pontuações do BDI e alterações na flexibilidade dinâmica no grupo do escitalopram.
“Estes achados são importantes porque, pela primeira vez, descobrimos que a psilocibina funciona de forma diferente dos antidepressivos convencionais, tornando o cérebro mais flexível e fluido e menos enraizado nos padrões negativos de pensamento associados à depressão. Isto apoia as nossas previsões iniciais e confirma que a psilocibina poderia ser uma abordagem alternativa real para os tratamentos de depressão”, disse num comunicado o investigador do estudo David Nutt, chefe do Imperial Centre for Psychedelic Research em Londres.
“Em estudos anteriores, tínhamos visto um efeito semelhante no cérebro quando as pessoas foram testadas enquanto estavam sob um psicadélico, mas aqui estamos a vê-lo semanas após o tratamento para depressão, o que sugere uma continuidade da ação aguda do fármaco”, disse Carhart-Harris.
Efeito Duradouro?
“Ainda não sabemos quanto tempo duram as alterações na atividade cerebral observadas com a terapia por psilocibina e precisamos de fazer mais investigação para compreender isto”, disse Carhart, Harris, que é membro do UCSF Weill Institute for Neurosciences.
“Se as alterações não durarem, então estará relacionado com recaída num episódio depressivo?”, acrescenta Carhart-Harris. “Precisamos de fazer estudos de imagem de seguimento para ver como estão os cérebros das pessoas aos 3 meses ou mesmo 6 meses após o tratamento.”
“Sabemos que algumas pessoas têm recaídas e pode ser que depois de um tempo os seus cérebros revertam para os padrões rígidos de atividade que vemos na depressão.”
“Uma implicação empolgante das nossas descobertas é que descobrimos um mecanismo fundamental através do qual a terapia psicadélica funciona não só para a depressão, mas também para outras doenças mentais, como a anorexia ou adições. Agora precisamos de testar se é este o caso e, se for, então teremos descoberto algo importante”, acrescentou Carhart-Harris.
Serão necessários ensaios randomizados controlados duplamente cegos de fase 3 bem-sucedidos para se obter o licenciamento para a terapia com psilocibina, mas os ensaios pragmáticos podem abordar melhor as questões relacionadas com a praticabilidade, especificidade e otimização do tratamento. Dada a investigação emergente em terapia psicadélica, é importante que ensaios de larga-escala estabeleçam a generalizabilidade, confiabilidade e especificidade da resposta antidepressiva do fármaco.
Então quão perto estamos da aprovação federal completa para a psilocibina no tratamento da depressão?
Carhart-Harris estima que dentro de 4-5 anos é realista a nível federal. A nível estatal, em Oregon, a terapia com psilocibina está a caminho da aprovação no próximo ano, incluindo para doentes atualmente em tratamento para perturbações depressivas. Para além disso, as coisas estão a evoluir no Canadá, com algumas oportunidades de acesso especial, disse ele.
Os investigadores alertam que, embora estas descobertas sejam encorajadoras, os ensaios a avaliar a psilocibina para a depressão ocorreram em condições clínicas controladas, usando uma dose regulada formulada num laboratório, e envolveram um amplo apoio psicológico por um profissional de saúde mental – antes, durante e depois da dosagem. Tomar psicadélicos na ausência destas proteções combinadas pode não ter um resultado positivo.
Artigo Original de Lolita Osorio, publicado no Medscape Medical News a 11/04/2022.
Tradução livre por Patrícia Marta
Patrícia Marta
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