A psilocibina pode influenciar o cérebro durante semanas, segundo estudo recente [Nature]
18 de julho de 2024 • 4 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Psilocibina
Investigadores esclarecem como o psicadélico pode distorcer a sensação de espaço, tempo e identidade durante uma sessão.
A psilocibina, encontrada nos “cogumelos mágicos”, não só proporciona às pessoas uma experiência (“trip”) de um dia – como também pode influenciar o cérebro durante várias semanas, descobriram investigadores da Universidade de Washington.
Os especialistas dizem que o estudo ajuda a explicar porque é que a toma de psilocibina pode resultar numa sensação distorcida de espaço, tempo e de si próprio durante uma viagem, além de esclarecer o mecanismo pelo qual pode ajudar no tratamento de Depressão grave.
O Dr. Joshua Siegel, coautor do trabalho da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em St Louis, afirmou que esta investigação pode também trazer benefícios para as empresas que estão implicadas no desenvolvimento de novos psicadélicos e fármacos semelhantes.
“Isto poderá ajudar a determinar se um novo medicamento está a atingir os alvos certos e a decidir qual é a dose ideal”, disse.
Pubicado na revista Nature, Siegel e uma equipa de colegas relatam como realizaram um ensaio clínico randomizado com sete participantes saudáveis que concordaram em tomar psilocibina.
“Era também uma exigência que tivessem tomado um psicadélico em algum momento da sua vida, em parte porque estavam a tomar uma dose elevada, equivalente a 5g de cogumelos mágicos, e estavam a entrar num aparelho grande, barulhento, claustrofóbico enquanto estariam sob efeito da psilocibina”, disse Siegel, acrescentando que a equipa precisava de ter a certeza de que os participantes seriam capazes de tolerar a situação.
“Por isso, queríamos tentar ter a certeza de que sabíamos que eles estariam capazes de tolerar esses efeitos.”
Os participantes receberam aleatoriamente uma dose de 25 mg de psilocibina ou 40 mg de metilfenidato (controlo), tendo sido distribuídos de forma aleatório por cada um desses braços do estudo. Uma a duas semanas depois, os participantes receberam o medicamento que não tinham recebido inicialmente.
Os participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética antes, durante, entre e depois de receberem cada medicamento, enquanto que após seis a 12 meses quatro dos participantes voltaram para receber outra dose de psilocibina e realizar nova bateria de exames de neuroimagem. Cada um dos participantes realizou, em média, 18 ressonâncias magnéticas.
Os resultados revelam que a toma de psilocibina – mas não metilfenidato – foi associada a uma perda de sincronia no que é conhecido como rede de modo padrão (Default Mode Network). Este é um grupo interligado de regiões cerebrais que se torna ativo quando a mente está a divagar e o cérebro não está a trabalhar numa tarefa específica. Crucialmente, diz Siegel, esta rede está envolvida na criação de um sentido de identidade, bem como mostra ligações com a percepção do espaço e do tempo.
Embora as imagens cerebrais dos participantes tenham voltado ao normal em grande parte no dia seguinte à ingestão de psilocibina, Siegel notou uma redução na comunicação entre a rede de modo padrão e o hipocampo anterior – uma parte do cérebro fundamental para a memória e perceções de espaço e tempo – que durou três semanas.
Siegel revelou que a descoberta pode ajudar a explicar os relatos de um aumento da flexibilidade na forma como as pessoas se veem a si próprias e a sua relação com o ambiente após tomarem psilocibina. Acredita-se que esta plasticidade suporta intervenções de base psicadélica para condições como a depressão resistente ao tratamento, tornando o cérebro mais aberto à uma intervenção psicoterapêutica.
Siegel acrescentou que, embora o processo de investigação fosse exigente, parecia haver muitos voluntários para estudos sobre psicadélicos. “Não tivemos problemas em encontrar participantes”, disse.
Artigo original de Nicola Davis, publicado no The Guardian a 17/07/2024. Tradução livre por Pedro Mota
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