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FDA rejeita terapia assistida por MDMA para a PTSD

FDA rejeita terapia assistida por MDMA para a PTSD

10 de agosto de 2024 6 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • MDMA
  • Psicadélicos

A decisão foi tomada depois de o comité consultivo da agência ter afirmado, em Junho, que não havia provas suficientes de que a terapia era segura ou eficaz.

A Food and Drug Administration recusou aprovar a Terapia Assistida por MDMA como tratamento para a perturbação de stress pós-traumático, de acordo com a comunicação realizada pela farmacêutica Lykos Therapeutics no dia de ontem.

Especialistas e defensores dizem que a decisão é um “pequeno revés” no crescente movimento de utilização de psicadélicos no tratamento de certas condições de saúde mental.

Houve, contudo, uma intensa pressão política sobre a FDA para aprovar o medicamento. A decisão de sexta-feira foi a primeira vez que a agência considerou um psicadélico de Classe 1 para uso médico. Se tivesse sido aprovado, este teria sido o primeiro novo tratamento para a PTSD em mais de duas décadas. Contudo, a submissão da Lykos Therapeutics pedia à FDA que aprovasse o medicamento como parte de um regime de tratamento, administrado juntamente com a psicoterapia.

A decisão da agência surgiu depois de um comité consultivo independente ter recusado, em junho, recomendar a aprovação do medicamento, alegando que não havia provas suficientes de que a terapêutica era segura e eficaz. O comité citou uma miríade de preocupações, incluindo estudos mal concebidos, alegações de má conduta sexual durante um ensaio clínico e o potencial de riscos graves para a saúde após a toma do medicamento, incluindo problemas cardíacos e abuso.

Uma revisão realizada por cientistas da FDA, publicada antes da reunião de junho, também levantou preocupações sobre a forma como os ensaios foram realizados, incluindo o facto de vários doentes e terapeutas terem provavelmente conseguido adivinhar quem recebeu a medicação e quem recebeu o placebo. Apesar da rejeição, os especialistas dizem esperar que esta e outras terapias psicadélicas ainda se mantenham no caminho para aprovação pela FDA. Existem cerca de quatro dezenas de ensaios com MDMA em várias fases de desenvolvimento clínico, de acordo com o ClinicalTrials.gov.

“Penso que será um revés temporário”, disse Holly Fernandez Lynch, professora associada de ética médica na Universidade da Pensilvânia. “O comité consultivo e a FDA deram indicações muito claras sobre o que procuram em termos de desenho de estudos e comunicação de eventos adversos, pelo que a Lykos e outras empresas deverão saber claramente como proceder daqui para a frente se quiserem obter a aprovação dos psicadélicos”.

Escrutínio psicadélico

A rejeição da agência destaca o elevado nível de escrutínio que os psicadélicos terão de suportar ao longo do processo da sua aprovação para uso médico nos EUA.

De acordo com Lykos, a FDA pediu à empresa que concluísse um ensaio clínico adicional de fase 3 para estudar mais a fundo a segurança e eficácia do medicamento. A Lykos acrescentou que a agência expressou preocupações semelhantes às levantadas durante a reunião do comité consultivo em junho. A farmacêutica disse que planeia pedir à FDA que reconsidere a decisão.

“O pedido da FDA para outro estudo é profundamente dececionante, não só para todos aqueles que dedicaram as suas vidas a este esforço pioneiro, mas principalmente para os milhões de americanos com PTSD, juntamente com os seus entes queridos, que não encontram nenhuma nova opção de tratamento.” Em comunicado, um porta-voz da FDA disse que a agência reconhece que existe uma “grande necessidade” de opções de tratamento adicionais para a PTSD. Ainda assim, “conforme discutido na reunião do comité consultivo, existem limitações significativas nos dados da submissão que impedem a agência de concluir que este medicamento é seguro e eficaz para a indicação proposta”, disse o porta-voz.

Cerca de 13 milhões de pessoas nos EUA, muitas das quais são Veteranos, têm stress pós-traumático, de acordo com dados partilhados pela FDA na reunião de junho.

A psicoterapia e os antidepressivos são os principais tratamentos, mas os doentes podem não ser capazes de se manterem no processo terapêutico e menos de um terço relata remissão total dos sintomas com os medicamentos, de acordo com a FDA.

David Olson, diretor da U.C. Davis Institute for Psychedelics and Neurotherapeutics, disse que não pensa que a decisão da FDA vá impedir o desenvolvimento de psicadélicos para perturbações de saúde mental, incluindo o PTSD. Salientou que uma versão de cetamina (escetamina) já foi aprovada pela FDA para tratar a depressão resistente ao tratamento.

Olson espera que possa haver outro tratamento psicadélico para o PTSD nos próximos cinco anos.

“Os psicadélicos como a psilocibina estão a revelar-se muito promissores e, esperançosamente, os grupos que desenvolvem estes compostos aprenderão com os erros dos outros e serão mais rigorosos”, escreveu Olson por e-mail.

Referiu ainda que existe uma nova e emergente classe de medicamentos chamados neuroplastógenos que, segundo ele, foram concebidos para reter os efeitos terapêuticos do MDMA e, ao mesmo tempo, minimizar os efeitos secundários, como as alucinações.

“Tudo isto para dizer que o futuro parece ser risonho para esta classe de terapêutica”, disse.

Brian Barnett, psiquiatra que dirige investigação psicadélica em Cleveland, no Ohio, disse também acreditar que o MDMA será eventualmente aprovado para o PTSD, apesar da decisão da FDA. Reconheceu as preocupações da FDA e do comité consultivo, embora tenha referido que algumas das questões levantadas sobre os ensaios não são exclusivas do MDMA.

“O comité consultivo estava muito focado no que foi chamado de blinding funcional, onde os participantes sabiam se tinham ou não tomado MDMA”, disse. “Foi tão surpreendente para mim que estivessem tão focados nisto porque o blinding funcional é um problema essencialmente para todos os tratamentos farmacológicos em psicologia”.

Pressão sobre a FDA

Em julho, quase 800 Veteranos enviaram uma carta a pedir ao presidente Joe Biden que considerasse o MDMA para o PTSD, dizendo estar “confiantes” de que a terapia se revelará “entre os tratamentos mais inestimáveis já desenvolvidos para combater a epidemia de suicídio de Veteranos”.

No início deste mês, um grupo bipartidário de 80 legisladores enviou cartas a Biden e ao comissário da FDA, Robert Califf, instando-os a considerar a aprovação do tratamento, escrevendo que “não podemos permitir que os nossos Veteranos continuem a sofrer em silêncio”.

Lynch, da Universidade da Pensilvânia, disse estar “consternada ao ver os políticos a pressionar a FDA” sobre a decisão, acrescentando que poderia prejudicar futuras aprovações de psicadélicos. Embora as decisões da agência não possam basear-se exclusivamente na ciência e as questões sobre segurança e eficácia exijam algumas decisões de “julgamento”, “quando os políticos interferem em nome de produtos específicos, isso pode reduzir a confiança nas decisões da FDA”.

O Institute for Clinical and Economic Review, um grupo sem fins lucrativos que avalia o custo e a eficácia dos medicamentos, tem criticado o desenvolvimento do tratamento, afirmando num relatório publicado no final de março que os pacientes e prestadores no ensaio trataram os psicadélicos “mais como um movimento religioso do que os produtos farmacêuticos.”

Numa declaração após a decisão da FDA, o diretor médico do ICER, Dr. David Rind, disse: “esperamos que investigações cuidadosas, atuais e futuras, examinem como maximizar os benefícios e minimizar os danos da adição de MDMA a estas e outras psicoterapias”.

Artigo original de Berkeley Lovelace Jr., publicado na NBC News a 09/08/2024. Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico Psiquiatra | SPACE (Direção)

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