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O próximo grande tratamento das Dependências

O próximo grande tratamento das Dependências

2 de abril de 2022 9 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • Perturbações Aditivas & Dependências

Várias substâncias psicadélicas têm vindo a ser apresentadas como tratamentos eficazes para o abuso de drogas e de álcool. Porém, a psilocibina combinada com psicoterapia tem-se revelado como a mais eficaz.

Nos últimos anos, tem surgindo um grande número de investigações clínicas que têm vindo a sugerir que as substâncias psicadélicas podem ajudar no tratamento de várias condições de saúde mental como depressão, ansiedade, dor crónica ou até perturbações do comportamento alimentar. Contudo, um crescente corpo de evidência aponta para uma dessas substâncias em particular como o principal candidato para tratar a “doença intratável” do abuso de substâncias. A psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos psicadélicos, mostrou-se promissora em ensaios clínicos iniciais limitados, não apenas no álcool e “drogas mais pesadas”, mas também na nicotina – todos os quais com elevada resistência aos tratamentos convencionais a longo prazo.

"A velha regra geral é que um terço das pessoas melhora, um terço permanece igual e um terço continua a piorar", disse o Dr. Michael Bogenschutz, psiquiatra da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova York que estuda a Psicoterapia Assistida por Psilocibina como tratamento para o abuso de álcool. “O que é fascinante para mim ao longo de todo este processo é o diferente tipo de experiências as pessoas podem experienciar, que, em última análise, as ajudam a fazer essas mudanças profundas no seu comportamento.”

Veja-se Aimée Jamison, que há vários anos queria largar o vício do cigarro antes de completar 50 anos.

Estatisticamente falando, a probabilidade de sucesso de Jamison não era grande. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, 55% dos fumadores adultos tentaram cessar o consumo em 2018, mas apenas 8% tiveram sucesso.

A Sra. Jamison, uma investidora que vive por períodos em Boston, tinha ouvido falar sobre terapias psicadélicas, mas a psilocibina é amplamente ilegal para uso pessoal. Então, no outono de 2018, voou para Baltimore para participar num ensaio clínico no Johns Hopkins Center for Psychedelic & Consciousness Research. Quando teve que se abster de nicotina por um dia antes de um scan cerebral, ela mal conseguia dormir e batizou essa experiência como “as 24 horas mais infernais que eu já experienciei”.

Após três sessões de psicoterapia na clínica de Hopkins, recebeu uma única cápsula contendo 30 miligramas de psilocibina, uma dose relativamente alta. Depois de ingerir a cápsula, colocou uma venda nos olhos, deitou-se num sofá e fez uma “viagem psicadélica” acompanhada por dois terapeutas durante aproximadamente cinco horas.

Quando a sua “viagem” terminou, sentou-se e olhou para cada um dos terapeutas. “Agora, entendo por que comecei a fumar”, disse ela, “e não preciso fazer mais isso”.

Nos meses seguintes, a Sra. Jamison participou em várias outras sessões de psicoterapia, mas não tomou mais nenhuma cápsula de psilocibina. Jamais acendeu um cigarro desde então. Uma versão preliminar desse estudo (no qual os participantes tiveram duas ou três sessões de psilocibina), publicada em 2014, relatou uma taxa de sucesso de 80% em 15 fumadores, em comparação com 35% normalmente observados em pacientes que tomam o principal medicamento antitabagismo convencional – o Champix (Vareniclina).

Impulsionado por esses resultados positivos, o estudo de Hopkins expandiu-se para incluir mais participantes e, no ano passado, a equipa recebeu uma doação de 4 milhões de dólares americanos do National Institutes of Health (NIH).

Ainda é incerto o quão eficaz é o uso da psilocibina para tratar a adição a longo prazo e se alguns indivíduos são mais propensos a beneficiar destes tratamentos do que outros. Alguns participantes do estudo tiveram experiências desafiantes durante as suas sessões, e especialistas dizem que as pessoas não devem tomar o fármaco fora de ensaios clínicos legítimos ou sem supervisão médica.

A duração de cinco horas da experiência também a tornará possivelmente dispendiosa em ambiente hospitalar, o que pode limitar seu uso entre comunidades de baixos rendimentos afetadas desproporcionalmente pelo abuso de drogas e de álcool. Ainda assim, muitos especialistas famintos por novos modelos terapêuticos para as perturbações de adição e dependência dizem que a psilocibina representa um tratamento novo e potencialmente cativante para pessoas que sofrem de uma doença difícil de tratar.

Tratar mais do que uma dependência química

Uma das razões pelas quais estas doenças são tão difíceis de tratar é que, na sua grande maioria, estas são mais do que uma mera dependência química. Ao longo dos períodos de abstinência, as pessoas acabam por enfrentar as suas vidas sem aquela “válvula de liberação de stresse” que aquele seu hábito lhes deu. Aqueles que desejam cessar os consumos podem perseverar por algumas semanas ou meses, mas quando em stresse ou situações de alguma adversidade, os seus cérebros geralmente desviam-nos de volta àquele território familiar do seu vício. Alguns especialistas dizem que a psilocibina atende a essa necessidade psicológica. Junto com o LSD e a mescalina, é conhecida como um “psicadélico clássico”, que ativa interruptores no córtex visual do cérebro, os recetores de serotonina 5-HT2a, produzindo alterações da perceção. De volta ao apogeu psicadélico das décadas de 1950 e 1960, essas substâncias foram avaliadas para o tratamento de depressão e dependência com resultados mistos.

Porém, esse trabalho foi congelado na década de 1970 com a aprovação da Lei de Substâncias Controladas, que colocou o LSD e a psilocibina na categoria legal mais restritiva, conhecida como Categoria I.

Trinta anos depois, em 2000, Roland Griffiths, psiquiatria e psicofarmacologista da Johns Hopkins, recebeu luz verde da Food and Drug Administration (FDA) para estudar os efeitos psicológicos da psilocibina em 30 voluntários. Num ensaio clínico realizado com participantes dois meses após a sessão, mais da metade a classificou como uma das experiências mais significativas das suas vidas.

A investigação psicadélica floresceu desde então. Um estudo britânico publicado no início deste ano descobriu que pessoas com perturbação grave de abuso de álcool que receberam terapia assistida com ketamina abstiveram-se de consumos ao longo de seis meses, resultados mais positivos do que aquelas que receberam apenas um placebo em conjunto com psicoterapia.

Alguns estudos sobre ketamina e dependência, no entanto, sugerem que o seu efeito antidepressivo desaparece com o tempo, e os participantes podem necessitar de infusões repetidas. Este é um problema potencial porque a própria substância tem potencial para se tornar uma substância de abuso e overdoses podem, em casos raros, ser fatais.

Comparativamente, investigadores com maior entusiasmo sobre a psilocibina referem que o facto de a experiência psicadélica com esta substância ser mais longa e intensa a torna uma terapêutica mais eficaz e duradoura. Geralmente, requer apenas uma única sessão ou, às vezes, várias (poucas) sessões para ser eficaz, desde que devidamente integrada em sessões de psicoterapia ou alguma outra forma de aconselhamento. “As pessoas têm maior flexibilidade mental após a psilocibina”, disse Matthew Johnson, psicólogo da Johns Hopkins que lidera o estudo sobre tabagismo. “Esse aumento na abertura pode ser uma mudança permanente que pode ajudar a superar a adição.”

Um futuro incerto

Embora a psilocibina permaneça ilegal sob as leis federais das drogas, algumas cidades, incluindo Denver e Santa Cruz, na Califórnia, descriminalizaram-na. Oregon, em novembro de 2020, votou para que este se tornasse o primeiro estado a legalizá-lo para uso médico.

A psilocibina é considerada mais segura que a ketamina e não tem potencial aditivo, embora tenha as suas desvantagens. Os maiores riscos podem vir de uma pessoa que usa a substância sozinha e vagueia no trânsito ou que se exponha a outras situações perigosas enquanto sob o efeito da mesma. Mesmo num ambiente supervisionado de um centro de investigação, os usuários podem experienciar efeitos laterais, como vómitos ou perda de coordenação, e a própria “viagem” pode induzir alguma ansiedade.

"Um dos grandes desafios destes tratamentos é que os efeitos podem ser um tanto quanto imprevisíveis", disse Bogenschutz.

O California Institute of Integral Studies é uma das organizações mais conhecidas que oferece um programa de certificação para formar futuros terapeutas que trabalham com psicadélicos, porém como a psicoterapia assistida por psilocibina continua ilegal, um mercado de tratamento underground tem emergido nos EUA.

Jon Kostakopoulos, um ex-alcoólatra que fundou o Apollo Pact, uma organização sem fins lucrativos que defende o aumento do financiamento federal da investigação com psilocibina, disse que a paisagem psicadélica pode ser desafiante para as pessoas navegarem. Jon afirmou que conversou com várias pessoas que descompensaram depois dos seus “guias psicadélicos” lhes terem dito para descontinuar os seus fármacos antidepressivos convencionais em preparação para as suas experiências com psilocibina. Kostakopoulos tenta, por isso, direcionar as pessoas para ensaios clínicos legítimos, como o estudo piloto do qual ele participou na N.Y.U. e que ele acredita que o ajudou a abandonar os consumos de álcool.

“Acho que é necessário fazer-se isto com profissionais devidamente certificados”, disse ele. “Há alguns atores obscuros.”

Outros temem que o uso clínico da psilocibina não esteja a ser devidamente avaliada nas comunidades mais pobres, onde os problemas de adição têm maior impacto. “Precisamos desenvolver tratamentos para ajudar todos”, disse Peter Hendricks, psicólogo que estuda psilocibina e dependência na Universidade do Alabama, em Birmingham.

Peter está prestes a concluir um ensaio clínico que se estende por mais de cinco anos, que visa avaliar o potencial da psilocibina como tratamento para o abuso de cocaína. Concentrou-se em recrutar usuários de comunidades de baixos rendimentos perto de Birmingham, inclusive entre populações de sem-abrigo, onde o vício é galopante. Por si só, a psicoterapia geralmente não é um tratamento eficaz para a perturbação do uso de cocaína. No ensaio clínico do Dr. Hendricks, no entanto, uma análise preliminar dos primeiros 10 participantes mostrou que aqueles que receberam psilocibina com concomitante psicoterapia usaram cocaína menos vezes nos seis meses seguintes do que aqueles que receberam placebo em conjunto com a psicoterapia. Os participantes também relataram que era significativamente mais fácil se abster de cocaína e relataram maior satisfação com a vida.

Dr. Hendricks, no entanto, adverte que as pessoas não devem colocar as expetativas demasiado altas. "Os tratamentos convencionais existentes são muito ineficazes", disse ele. “Espero passar de muito ineficazes para não tão eficazes ou decentes.”

Artigo Original de Brendan Borrell, publicado no The New York Times a 31/03/2022.

Imagem: Melissa Schriek

Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico de Psiquiatria | SPACE (Direção)

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