Os psicadélicos podem aliviar a depressão e a ansiedade em pacientes com doença oncológica
7 de abril de 2022 • 8 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Psilocibina
Manish Agrawal é oncologista da Maryland Oncology Hematology no Aquilino Cancer Center em Rockville, Maryland, onde é diretor médico. Em 2021, ajudou a lançar a Sunstone Therapies, cuja missão é abordar os efeitos emocionais dos doentes diagnosticados com cancro.
Ao longo da minha formação médica e mais de 20 anos como oncologista, a ênfase no tratamento do cancro sempre foi o tratamento do tumor. Mas também sei que o sofrimento dos meus pacientes vai muito além do físico. Com o tempo, a profunda angústia emocional que vira as suas vidas de cabeça para baixo passou de uma preocupação murmurada para uma explosão ensurdecedora e inevitável.
Aqueles de nós que tratam pacientes com doença oncológica não podem negar as emoções dolorosas que estes doentes e as suas famílias experienciam. Enfrentar essa realidade inclui procurar maneiras práticas e eficazes de aliviar a dor. O problema é que as ferramentas para lidar com as dimensões emocionais do cancro são escassas. Isso começou a mudar há alguns anos atrás, quando surgiram evidências que indicavam que os psicadélicos poderiam reduzir a ansiedade da morte que muitos pacientes com cancro vivenciam. Nos Estados Unidos, mais de 90 ensaios clínicos estão a explorar se uma dessas substâncias – a psilocibina, um psicadélico de ocorrência natural encontrado em certas espécies de cogumelos – pode dar aos pacientes o alívio emocional que tanto procuram desesperadamente.
Simultaneamente ao meu trabalho como médico de Oncologia, sou também o investigador principal de um desses estudos. Esse estudo sugere que estas substâncias, que foram banidas há décadas atrás, podem ter um efeito positivo e significativo no tratamento de depressão major, ansiedade e outras perturbações do humor.
Mudanças Dramáticas
Uma paciente com doença oncológica já metastizada, que sofria de um grave sofrimento emocional por causa deste seu difícil diagnóstico e do respetivo tratamento, decidiu participar no ano passado num ensaio clínico que eu e os meus colegas estávamos a realizar. Ela descobriu que logo após uma única sessão de terapia com psilocibina, a sua vida e perspetivas sobre ela alteraram-se drasticamente.
A sua sessão foi bastante desafiadora em contraste com a experiência mística típica que alguns relataram; ela enfrentou a sua morte diretamente, algo que achou doloroso. Então, enquanto estava na sua casa de campo, um dia depois de sua sessão de psilocibina, enquanto a luz estava a desaparecer na escuridão e o chilrear dos grilos aumentava, ela sentiu um manto de paz a envolvê-la, e acabou por chegar a um importante insight: Todos aqueles grilos inevitavelmente morreriam em breve e um novo grupo deles tomaria os seus lugares. Isso lembrou-a de que, quando ela nasceu, ela também estaria a substituir outros que haviam previamente falecido e, com sua morte, outros virão atrás dela. Tudo isto fazia, claro, parte de um ciclo natural.
Este sentimento de ser parte de algo maior do que ela mesma, de ver como ela própria se encaixava no complexo quebra-cabeças da natureza, ajudou-a a colocar a sua morte que, entretanto, se aproximava rapidamente num contexto mais amplo e com isso o peso da ansiedade sobre sua morte se foi dissipando.
No passado, eu próprio poderia ter-lhe dito: “Morrer é natural; faz parte da experiência humana”, mas sem a experiência que ela passou, talvez não teria obtido o mesmo resultado. Ela tinha, pois, que sentir isso em toda a sua pessoa, não apenas como um exercício intelectual ou filosófico. Por sua conta própria, foi uma experiência que ela nunca havia tido antes e que durou muitas semanas, até mesmo meses. Ela apenas poderia atribuir tal mudança dramática ao seu tratamento com a psilocibina.
Outra participante do estudo recordou durante a sua sessão com psilocibina uma cena na natureza onde ela viu árvores que morreram e estavam cheias de organismos vivos e nutrientes que permitiram que as árvores mais jovens se alimentassem e crescessem. Deixou-lhe a sensação de que, mesmo após a sua morte, deixaria aos filhos um legado que lhes proporcionaria apoio emocional e espiritual.
Evidências Promissoras
Os resultados dos ensaios clínicos que eu e os meus colegas conduzimos ainda não foram publicados, por isso é muito cedo para que nós tiremos conclusões definitivas sobre o uso da psilocibina no tratamento da depressão na nossa população. Mas a evidência pré-publicação é bastante promissora: metade de todos os 30 participantes não apresentava depressão clinicamente mensurável oito semanas após uma dose única de psilocibina com concomitante psicoterapia, e 80% das pessoas estudadas tiveram os seus índices de depressão reduzidos em pelo menos 50%. (O estudo mediu a depressão com a Escala de Avaliação de Depressão de Montgomery-Asberg, ou MADRS.)
Esses resultados clinicamente significativos são consistentes com um número crescente de outros estudos sobre o efeito dos psicadélicos em doenças como a depressão e Perturbação de Stresse Pós-Traumático (PSPT). Um pequeno estudo do Imperial College London, publicado no New England Journal of Medicine no ano passado, sugeriu que a psilocibina poderia aliviar os sintomas de perturbação depressiva major (ou DM) pelo menos tão efetivamente quanto um antidepressivo convencional inibidor seletivo da recaptação de serotonina – mas com potencialmente menos efeitos colaterais. Outro estudo, realizado no Johns Hopkins Bayview Medical Center, indicou que os tratamentos com psilocibina proporcionaram alívio de DM entre pacientes com doença oncológica e um estudo publicado no ano passado concluiu que a substância psicadélica MDMA “representa um potencial tratamento inovador” para a PSPT.
A promessa da terapia psicadélica é significativa não apenas para os pacientes, mas também para médicos como eu, que esgotaram todo o arsenal para ajudar aqueles que são esmagados pelo fardo emocional do cancro.
Intenso sofrimento psicológico
Os oncologistas estão bem equipados para combater as ameaças físicas das doenças oncológicas com ferramentas poderosas, mas às vezes imperfeitas, incluindo quimioterapia, radioterapia e intervenções cirúrgicas, mas muitas vezes sentem-se impotentes quando se trata de tratar a intensa agonia psicológica que muitos pacientes experienciam.
Muitas das terapias aprovadas para tratar a saúde mental dos meus pacientes com cancro não os ajudam. Não surpreendentemente, a investigação mostrou uma alta prevalência de depressão e burnout também entre os próprios oncologistas, também relacionada com o facto de observar os pacientes sofrerem e não poder ajudar. Ensaios clínicos que estudam psilocibina e MDMA foram retomados onde outros haviam parado antes de 1970, quando o governo federal aprovou a Lei de Substâncias Controladas que proibia o uso e até a investigação clínica de psicadélicos. Os investigadores têm vindo a encontrar evidência que suporta que, para algumas pessoas, mesmo uma única dose de psilocibina num ambiente de suporte – acompanhada de psicoterapia – pode ser mais impactante e ter efeitos mais duradouros do que os protocolos atuais: psicoterapia combinada com os medicamentos antidepressivos existentes.
Como muitos de meus colegas, também eu estava inicialmente algo cético em incorporar os psicadélicos na minha prática clínica, que muitos vêm como drogas recreativas facilmente abusadas. Mas a crescente evidência de ensaios clínicos rigorosos fez com que muitos médicos, como eu, reconsiderassem. Nos ensaios no nosso centro de investigação clínica, oferecemos tratamento num ambiente altamente controlado e seguro. O formato é o oposto do tradicional “tome dois desses comprimidos e amanhã ligue-me”.
Os participantes dos ensaios são selecionados com base n um conjunto de critérios de inclusão e exclusão e reúnem-se horas antes da sessão com os nossos terapeutas devidamente capacitados. Além disso, uma equipa de dois terapeutas monitoriza de perto a administração do tratamento, sentando-se com cada paciente até que os efeitos da substância desapareçam completamente. Há então várias reuniões após a sessão para ajudar a integrar a sessão de psilocibina, para que os insights e a experiência adquirida continuem a ser benéficos.
A investigação também está a ajudar a diminuir as preocupações que muitos têm sobre o potencial aditivo dos psicadélicos (que comprovadamente é extremamente reduzido). Embora o abuso seja sempre possível, o desenvolvimento de padrões de cuidados prestados e critérios de formação rigorosos ajudam a garantir que os participantes dos estudos e os futuros pacientes recebam um atendimento seguro e qualificado.
Uma das mensagens que compartilho com os pacientes é que a profunda angústia e os sentimentos sombrios que experienciam após serem diagnosticados com uma doença oncológica são normais e merecem tanta atenção quanto os efeitos físicos dessa doença. Os pacientes não devem ter que ir a um outro lugar fora dos centros de tratamento oncológico para obter essa ajuda.
Se mais ensaios sobre terapia psicadélica forem validados e aprovados pela Food and Drug Administration, acho que os centros de doenças oncológicas fariam bem em oferecê-la como parte de um continuum interno de tratamento da doença. Além da quimioterapia e da radioterapia, os oncologistas devem trabalhar para lidar com os problemas psicológicos que os seus pacientes enfrentam.
Eu nunca antes testemunhei um tipo de resposta dramática a qualquer intervenção médica como tenho com alguns pacientes através da psicoterapia assistida por psicadélicos. Não é uma pílula mágica ou a cura para o sofrimento de um paciente com cancro – e não mudará o seu prognóstico ou expectativa de vida. Mas pode ser uma faísca que inicia a sua jornada de cura, ajudando-os a aceitar seus medos mais profundos.
Artigo Original de Manish Agrawal, publicado no The Washington Post a 02/04/2022.
Imagem: Victor de Schwanberg/ Science Photo Library/ Getty Images
Tradução livre por Pedro Mota
Pedro Mota
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