
Terapia assistida por psicadélicos como uma intervenção complexa: implicações para o desenho de ensaios clínicos
12 de outubro de 2025 • 3 minutos de leitura
- Pedro Mota
- Psicadélicos
O artigo de Muthukumaraswamy e colegas (2025) apresenta uma análise inovadora sobre o enquadramento metodológico das terapias assistidas por psicadélicos, propondo uma mudança paradigmática no modo como estas intervenções são estudadas e validadas. Os autores defendem que as terapias assistidas por psicadélicos deve ser compreendida e avaliada como uma intervenção complexa, em vez de um simples tratamento farmacológico, argumentando que a combinação de substância, psicoterapia e contexto clínico gera uma dinâmica interativa que os ensaios clínicos convencionais (RCTs) dificilmente captam.
A partir do modelo de Intervenções Complexas do UK Medical Research Council (MRC), o artigo propõe uma abordagem estruturada que inclui fases de desenvolvimento, viabilidade, avaliação e implementação, destacando a importância de teorias explícitas de mudança terapêutica, da integração de diferentes perspetivas (clínicos, doentes, comunidade) e da adaptação dos desenhos de estudo à realidade dos sistemas de saúde. Nesta perspetiva, os autores sugerem o uso de ensaios pragmáticos, avaliados através da ferramenta PRECIS-2, como alternativa aos tradicionais ensaios duplamente cegos, enfatizando a necessidade de maior validade externa e aplicabilidade prática dos resultados.
A crítica aos ensaios duplamente cegos (DB-RCTs) é particularmente convincente: os autores demonstram como o efeito de “desmascaramento funcional” - em que participantes e terapeutas reconhecem o grupo de tratamento devido aos efeitos psicadélicos evidentes - compromete tanto a validade interna como externa destes estudos. Além disso, questionam a utilidade de métricas estatísticas centradas apenas na eficácia média, que pouco informam sobre a variabilidade individual e o impacto real em contextos clínicos diversos.
O artigo também explora o debate teórico entre duas visões da terapia assistida por psicadélicos: a que a encara como uma terapia essencialmente farmacológica (psicadélico com suporte mínimo) e a que a conceptualiza como psicoterapia potenciada por psicadélicos. Esta distinção tem profundas implicações para o desenho de ensaios clínicos e para a formação de terapeutas. Os autores defendem que as terapias assistidas por psicadélicos devem ser desenvolvidas a partir de uma teoria explícita de mudança psicoterapêutica, em que fatores comuns à psicoterapia - como a aliança terapêutica, empatia e integração da experiência - são considerados centrais e não acessórios.
Ao propor uma abordagem pluralista da evidência, que combina métodos quantitativos, qualitativos e comparativos, o artigo oferece um roteiro sólido para o desenvolvimento ético e cientificamente rigoroso das terapias psicadélicas. Encerra com uma reflexão histórica: as dificuldades metodológicas que travaram o avanço das terapias psicadélicas nos anos 1960 não devem repetir-se. A integração de métodos pragmáticos e colaborativos poderá garantir que a próxima fase da investigação seja mais realista, inclusiva e translacional.
Em suma, trata-se de um trabalho teórico e metodológico de elevada relevância, que desafia o modelo tradicional de ensaios clínicos e propõe bases robustas para uma investigação mais adaptada à complexidade da prática psicadélica contemporânea.

Pedro Mota
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