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Terapia com MDMA para PSPT é rejeitada por painel de Consultores da FDA

Terapia com MDMA para PSPT é rejeitada por painel de Consultores da FDA

5 de junho de 2024 6 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • MDMA
  • Psicadélicos

Consultores científicos votam preliminarmente que os riscos do tratamento com MDMA para PSPT superam os benefícios.

Numa decisão que gerou surpresa em alguns observadores, os principais assessores da Food and Drug Administration dos EUA votaram que a eficácia do medicamento MDMA para o tratamento de Perturbação de Stress Pós-Traumática não foi comprovada.

Membros de um comité consultivo científico independente votaram (9-2) que os ensaios em humanos com MDMA não provaram a sua eficácia. Também votaram (10-1) que os riscos do MDMA superam os seus benefícios. Pese embora a FDA não necessite de seguir as recomendações do seu comité consultivo aquando a decisão de aprovar um medicamento, esta geralmente fá-lo.

A votação destacou a dificuldade de avaliar medicamentos psicadélicos e a capacidade limitada da FDA em avaliar tratamentos para perturbações psiquiátricas. "Parecia estranho votar não", disse o membro do comité e estatístico Satish Iyengar da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, dado que os efeitos do medicamento pareciam tão fortes. "Havia muitas questões específicas com este medicamento."

A reunião foi realizada ontem, 4 de junho, em Silver Spring, Maryland.

Longa campanha

O MDMA é um composto sintético que pode elicitar sentimentos de empatia e aumentar os níveis de energia. Este já foi aprovado para um uso médico limitado na Austrália para PSPT e depressão.

Durante décadas, o grupo sem fins lucrativos Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) em San José, Califórnia, tem vindo a realizar ensaios clínicos de MDMA. O ramo comercial desta associação, a Lykos Therapeutics, desenvolveu um protocolo de tratamento com MDMA envolvendo uma série de sessões de psicoterapia, juntamente com três sessões nas quais uma equipe de dois terapeutas administra MDMA. A ideia, disse a empresa, é que o MDMA não é um tratamento em si, mas ajuda as pessoas a desenvolver maior abertura junto dos seus terapeutas de forma a abordar certos eventos traumáticos que, de outra forma, seriam difíceis de enfrentar.

Na submissão do seu pedido à FDA, a Lykos citou dois ensaios clínicos de fase 3, nos quais um total de cerca de 200 pessoas com PSPT receberam MDMA ou um placebo. Mais de 80% dos que receberam MDMA apresentaram melhorias significativas nas escalas de avaliação dos seus sintomas. O efeito pareceu persistir quando os investigadores acompanharam uma parte desses participantes 6 e 24 meses depois da última sessão.

Preocupações persistentes

Contudo, os próprios intervenientes da FDA apresentaram uma série de preocupações sobre os estudos da Lykos, nomeadamente que estes não apresentariam dados cruciais de segurança psicológica e fisiológica. Uma grande preocupação era o fato de que os participantes — e os seus terapeutas — quase sempre conseguiam reconhecer se haviam recebido MDMA ou um placebo (desocultação). Um relatório da FDA divulgado antes da reunião apelidou os dados de "desafiantes de interpretar".

“O facto é que simplesmente não é possível garantir a ocultação nestes estudos", disse a diretora da divisão de Psiquiatria da FDA, Tiffany Farchione, na reunião. Em 2016, a MAPS e a FDA concordaram com um protocolo no qual um avaliador independente que não havia participado no ensaio avaliaria o progresso da sintomatologia psiquiátrica de cada pessoa. Contudo, tanto a equipa da FDA quanto o comité consultivo continuaram preocupados que as expectativas das pessoas de receber um medicamento afetassem a sua resposta ao mesmo.

Outras preocupações incluíam o fato de que cerca de 40% dos participantes do ensaio haviam tomado MDMA de forma ilícita antes do ensaio clínico [em contextos não clínicos], potencialmente enviesando a amostra. Muitos outros também procuraram outros tratamentos — incluindo psicadélicos — entre o ensaio clínico inicial e o follow-up, sugerindo que os seus sintomas se podem ter mantido e que sua melhoria pode não ter sido devida inteiramente ao MDMA.

Muitas das perguntas dos membros do comité consultivo concentraram-se no papel da psicoterapia. A Lykos desenvolveu um protocolo de terapia que seria administrado junto com o medicamento. Mas a FDA não regula a psicoterapia; o máximo que pode fazer é garantir que os médicos que supervisionam a administração do medicamento forneçam alguma terapia.

Wildcard terapêutica

O protocolo da Lykos dá aos terapeutas uma descrição substancial sobre como tratar os pacientes, o que deixou alguns membros do comité preocupados que os participantes do ensaio clínico pudessem ter recebido experiências terapêuticas diferentes dependendo se receberam um medicamento ou um placebo. Apontaram que um bom terapeuta poderia fazer um medicamento inútil parecer eficaz, e não há como separar os dois efeitos. Os membros do painel também se preocuparam sobre como os terapeutas seriam formados e pediram regulamentações fortes para proteger as pessoas do abuso por médicos quando sob a influência do efeito do medicamento.

Farchione disse que esperava que o comité consultivo ajudasse a FDA a abordar estas questões, principalmente porque muitas outras empresas estão a estudar terapias com psicadélicos que o FDA eventualmente necessitará de avaliar. "Acho que estamos a mapear um novo território e queremos configurá-lo corretamente", disse a própria.

Além disso, levantando preocupações, um relatório do Institute for Clinical and Economic Review, um grupo sem fins lucrativos em Boston, Massachusetts, que analisa procedimentos médicos, relatou alegações de que as pessoas que tiveram experiências menos positivas nos primeiros ensaios clínicos foram desencorajadas de participar nos estudos de follow-up. A Lykos negou essa afirmação na reunião de ontem e a FDA está presentemente a realizar uma investigação que será concluída antes da tomada de decisão final sobre o medicamento.

"Fiquei absolutamente chocada com a votação do comité”, diz a psiquiatra Rachel Yehuda da Icahn School of Medicine no Mount Sinai, da cidade de Nova York. "Foi muito decepcionante." Ela diz que os especialistas levantaram bons pontos durante a audiência de oito horas, particularmente sobre a segurança das pessoas que recebem tratamento. Rachel espera que a FDA procure formas de abordar essas preocupações ao invés de simplesmente negar o potencial do medicamento. A FDA deve emitir uma decisão final em agosto.

Numa declaração a Lykos afirmou: "Embora estejamos decepcionados com a votação, estamos comprometidos em continuar a colaborar com a FDA na revisão contínua do nosso novo medicamento nas próximas semanas."

Artigo original de Sara Reardon na Nature a 04/06/2024. Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico Psiquiatra | SPACE (Direção)

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