SPACE PortugalTornar-se Membr@
Tratamento psicadélico e saúde mental: Navegar por uma longa jornada com otimismo

Tratamento psicadélico e saúde mental: Navegar por uma longa jornada com otimismo

4 de janeiro de 2025 5 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • Psicadélicos

Pontos-chave

• Novos estudos estão a esclarecer os investigadores sobre como os psicadélicos influenciam conexões neuronais associadas à identidade e memória das pessoas para ajudá-las a superar comportamentos disfuncionais.

• Para aumentar a investigação sobre psicadélicos, os cientistas estão a desenvolver múltiplos desenhos de estudos e a adaptar a forma como recrutam, incluem e excluem participantes.

• Tanto clínicos como pacientes necessitam de maior educação sobre os riscos e benefícios das terapias psicadélicas, bem como das considerações éticas relacionadas ao tratamento.

Embora um tratamento psicadélico muito aguardado não tenha recebido aprovação em 2024, a comunidade científica internacional continua a avançar de forma a demonstrar o potencial destas substâncias não-convencionais no tratamento de condições de saúde mental.

Em agosto de 2024, a FDA rejeitou um pedido da Lykos Therapeutics para aprovar a MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) em combinação com terapia, para o tratamento da perturbação de stress pós-traumático (PSPT) resistente ao tratamento. Este fármaco teria sido o primeiro psicadélico aprovado pela FDA, a qual solicitou mais um estudo para demonstrar que o tratamento é seguro e eficaz. Embora a carta da FDA dirigida à Lykos não seja pública, um comité consultivo tinha anteriormente citado preocupações como a dificuldade em avaliar os benefícios da componente terapêutica e os desafios em criar um estudo verdadeiramente "cego". Os efeitos alteradores da mente, argumentou o comité, faziam com que os participantes fossem mais propensos a prever se tinham recebido o fármaco ou um placebo, o que poderia enviesar os resultados.

Durante uma mesa-redonda no Congresso sobre terapia assistida por psicadélicos em setembro de 2024, líderes da American Psychological Association (APA) destacaram a necessidade de investigação imparcial e de qualidade, bem como modelos de cuidados que incluam uma componente psicoterapêutica. A APA também está a atualizar as guidelines de 2017 para o Tratamento de PSPT em Adultos.

Embora sejam necessários mais estudos, os investigadores mantêm otimismo de que ainda há um caminho claro para aprovação da MDMA, psilocibina, LSD e outros psicadélicos nos próximos anos. “A determinação da FDA em relação ao MDMA foi uma decisão sobre um fármaco, de um patrocinador, para um pedido específico”, disse Fred Barrett, PhD, diretor do Centro de Investigação Psicadélica e de Consciência na Universidade Johns Hopkins. “Isto é apenas o começo. Para que a FDA ganhe confiança, provavelmente serão necessários estudos com múltiplos desenhos que demonstrem que estes medicamentos possam ser seguros e eficazes.”

Os investigadores envolvidos em ensaios clínicos com psicadélicos argumentam que questões relacionadas ao “efeito de blinding” são comuns em outros estudos de tratamentos de saúde mental que não envolvem psicadélicos, como os convencionais medicamentos antidepressivos.

Enquanto os reguladores federais aguardam mais dados de ensaios clínicos, novos estudos estão a relatar novas informações sobre como os psicadélicos alteram o cérebro para facilitar melhorias duradouras relacionadas a perturbações por uso de substâncias, PSPT, depressão, ansiedade e outras condições. As evidências mais recentes sugerem que estas substâncias influenciam conexões neuronais associadas a um sentido de identidade e memória, ajudando as pessoas a superar comportamentos disfuncionais.

Desligar o hipocampo

As descobertas mais recentes estão a fornecer pistas sobre como os psicadélicos aumentam as conexões sinápticas no cérebro e como os clínicos podem ajudar os pacientes a tirar proveito dessa neuroplasticidade para combater condições de saúde mental resistentes ao tratamento. Num estudo, os investigadores realizaram exames aos cérebros de adultos saudáveis antes, durante e três semanas após uma dose elevada de psilocibina e novamente entre seis e doze meses depois. O grupo de controlo recebeu metilfenidato, um medicamento para tratar a perturbação de défice de atenção/hiperatividade (PHDA). Durante a sessão de dosagem psicadélica, os exames mostraram que os circuitos neuronais associados à rede de modo padrão — que cria um sentido de identidade e de Self — estavam “dessincronizados” ou interrompidos.

Após a “viagem”, a maioria da atividade cerebral voltou ao normal, mas houve um reinício duradouro na conexão entre o hipocampo — o centro das memórias — e a rede de modo padrão.

“Colocar estas partes do cérebro num estado mais plástico e adaptável parece ajudar as pessoas a mudar o comportamento”, afirmou Joshua Siegel, MD, PhD, neurocientista e autor principal do estudo, além de professor assistente no Centro de Medicina Psicadélica da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque. “Quando a terapia é usada neste cenário, permite que as pessoas aproveitem essa flexibilidade aumentada para superar padrões disfuncionais.”

Superar lacunas na investigação

Mesmo com o aumento do número de estudos sobre psicadélicos, os cientistas reconhecem a necessidade de enfrentar desafios relacionados à seleção ideal da população de estudo. Em 2022, uma equipa do Centro de Neurociência de Psicadélicos do Hospital Geral de Massachusetts começou a selecionar potenciais participantes para um estudo que avaliaria os efeitos de uma dose única de psilocibina na ruminação e na atividade cerebral. Foram avaliadas 700 pessoas, mas nenhuma cumpriu os critérios de inclusão e exclusão.

Educar pacientes e clínicos

Embora a aprovação federal de psicadélicos ainda esteja pendente, evidências sugerem que os pacientes estão ansiosos por aprender mais sobre esses tratamentos. Segundo um estudo recente, quase metade dos profissionais de saúde mental entrevistados relatou que os pacientes pediram informações sobre psicadélicos, mas muitos profissionais sentiam-se impreparados para responder adequadamente.

A APA planeia lançar um conjunto de ferramentas gratuitas e webinars em 2025, abordando investigações atuais, ética, e modelos de cuidado para terapias assistidas por psicadélicos.

Considerações éticas e práticas

Ao trabalharem com estados de consciência alterados, os clínicos devem preparar-se para abordar experiências intensas dos pacientes, que podem incluir alterações da perceção ou respostas fisiológicas inesperadas. Embora as terapias assistidas por psicadélicos ainda enfrentem obstáculos regulatórios, muitos pacientes já estão a recorrer a essas práticas [e.g., através da utilização de ketamina em contexto clínico], e orientação informada de profissionais de saúde pode ajudá-los a tomar decisões esclarecidas.

Artigo original de Heather Stringer, publicado na American Psychological Association a 1/01/2025. Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico Psiquiatra | SPACE (Direção)

Mais posts

O que é a Psicologia Profunda e como é que esta se relaciona com os Psicadélicos?
  • Catarina Cunha
  • Personalidades
  • Psiquiatria
9 minutos de leitura

O que é a Psicologia Profunda e como é que esta se relaciona com os Psicadélicos?

Quando pensamos em psicologia, que imagens vêm à cabeça? Uma pessoa deitada num sofá, a falar da sua mãe? Um homem com um sotaque europeu es...

Tirando a Magia dos Cogumelos Mágicos
  • Patrícia Marta
  • Psilocibina
  • Psiquiatria
12 minutos de leitura

Tirando a Magia dos Cogumelos Mágicos

Nick Fernandez estava no inferno – um cheio de fogo e caveiras e os elefantes de pernas compridas de uma pintura de Salvador Dalí. Um espíri...

Ver todos os posts