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Artigo Científico: Uma abordagem integrativa dos modelos biomédico e psicadélico no tratamento com Cetamina

Artigo Científico: Uma abordagem integrativa dos modelos biomédico e psicadélico no tratamento com Cetamina

1 de novembro de 2023 5 minutos de leitura

  • Gonçalo Soares
  • Ketamina

O Modelo de Montreal: uma abordagem integrativa dos modelos biomédico e psicadélico no tratamento com Cetamina para a Depressão Resistente ao Tratamento

(O texto que se segue diz respeito a investigação clínica com o psicadélico glutamatergico ketamina, baseada no artigo de Garel et al. publicado na revista "Frontiers in Psychiatry" em 2023)

Este artigo, publicado no mês passado na Frontiers in Psychiatry, descreve em profundidade os fundamentos teórico-práticos e os resultados clínicos que justificam a implementação deste modelo de intervenção integrativa na Depressão Resistente ao Tratamento (DRT).

O modelo, desenvolvido e já aplicado ao longo de seis anos em dois hospitais universitários McGill (Canadá) e em mais de 500 intervenções terapêuticas com cetamina para casos de DRT, pretende incorporar ferramentas que advém de outros dois modelos já conhecidos e estabelecidos: o biomédico e o psicadélico. No modelo biomédico, as propriedades farmacológicas e neuronais da cetamina são conceptualizadas como as responsáveis pelos efeitos terapêuticos observados. Normalmente, são administrados 0,5 mg/kg de cetamina durante 40 min ao longo de várias semanas. No modelo psicadélico, as experiências de alteração do estado de consciência não são vistas como efeito secundário, mas sim como essenciais para os potenciais benefícios. Tipicamente, incorporam menos sessões e doses maiores de cetamina.

O modelo integrativo de Montreal pretende enquadrar-se entre estes dois últimos, assentando no conceito de que a cetamina não deve ser vista como uma substância autossuficiente no tratamento destas perturbações, mas sim como um catalisador de uma abordagem multifacetada. Uma das motivações mais importantes deste modelo é a diminuição da necessidade de prolongar a duração dos tratamentos com cetamina, dado que a mesma poderá ter efeitos danosos a longo prazo, tem custos importantes associados e várias limitações logísticas e de recursos humanos associadas.

• Quais são os objetivos principais?

  1. Utilizar o efeito antidepressivo de início rápido (e, frequentemente, transitório) que a Cetamina produz para facilitar os cuidados psiquiátricos standard já reconhecidos pela sua eficácia, bem como para fazer as mudanças de estilo de vida que vão facilitar os outcomes terapêuticos;
  2. Utilizar os efeitos pro-cognitivos, anti-suicidários e de promoção da neuroplasticidade da Cetamina para estimular o investimento pessoal dos doentes no processo psicoterapêutico.
  3. Ampliar o potencial de crescimento psicológico do tratamento tem com componentes não farmacológicas, tais como música e suporte psicológico;

• Como é que é aplicada?

  1. Avaliação – 1 sessão de 90 minutos: A entrevista psiquiátrica de avaliação, onde se avaliam os diagnósticos prévios, o histórico de tratamentos aplicados, os tratamentos atuais, os antecedentes médicos e os respetivos tratamentos, onde se faz o levantamento dos hábitos de vida (p.e., consumo de substâncias, rotinas de exercício físico e sono e dieta), a situação atual psicossocial com identificação de fatores stressores e protetores. É aqui que é escutada a narrativa pessoal do doente e se discutem as expectativas para o tratamento que se irá iniciar.
  2. Preparação e Psicoterapia – 2 a 3 sessões de 30 a 60 min: Vários modelos de intervenção psicoterapêutica podem ser aplicados, sendo que a Terapia Cognitivo-Comportamental (ou modificações que dela provêm) é a que tem mais evidência científica a suportar a sua utilização. Ao conceptualizar o tratamento com cetamina como uma “janela de oportunidade” para mudanças positivas (dada a já referida melhoria dos sintomas e aumento da neuroplasticidade), estende-se o conceito de mudanças positivas também a outras questões relevantes para o processo terapêutico, nomeadamente, a restante medicação (p.e., para reduzir a utilização de benzodiazepina ou opióides). Neste passo, são também aplicadas intervenções explícitas nas expectativas relativas ao tratamento, com vista a evitar a desilusão associada à possibilidade do efeito ser transitório ou não ser “life-changing”, estimulando outras mudanças comportamentais determinantes e reforçando a ideia de que a cetamina é um catalisador e não uma panaceia. É levada a cabo uma avaliação chamada SMART (Specific Measurable Achievment Relevant Timely), preparando os doentes para objetivos comportamentais personalizados. Estabelecem-se, em conjunto, pelo menos 3 objetivos antes de ser iniciada a cetamina (tipicamente, melhoria dos hábitos alimentares, de exercício físico, de sono, de comportamento social, de rotinas, mas também iniciativas com significado pessoal que se alinhem com os valores do doente). As pessoas que vão ser submetidas ao tratamento com cetamina são preparadas para os efeitos que poderão sentir quando sob o efeito da substância.
  3. Tratamento com cetamina No total, são aplicadas 6 infusões de 0,5 mg/Kg de cetamina durante 40 minutos – inicialmente 2 vezes por semana durante 2 semanas; passando a 1 vez por semana durante 2 semanas. A alteração do estado de consciência dura 2 horas e é acolhida por pelo menos um clínico num ambiente protetor e esteticamente agradável. São utilizadas vendas e música, sendo aplicado suporte psicológico de preparação, de acompanhamento não diretivo e integração imediata da experiência. Práticas de mindfullness podem ser aplicadas nesta fase.
  4. Seguimento e manutenção Consoante as especificidades do doente, o seu percurso de vida e de doença, a gravidade dos sintomas, as comorbilidades e as circunstâncias psicossociais, o acompanhamento que finaliza a abordagem proposta neste modelo pode passar por diferentes opções:
  • Manutenção com psicofármacos ou neuroestimulação

    Uma importante percentagem de doentes pode continuar a precisar de medicamentos com funções de estabilização do humor ou antidepressivos, sendo todos eles bastante compatíveis com a cetamina;

  • Psicoterapia concomitante.

    A grande maioria dos doentes beneficia de prolongar o processo psicoterapêutico e integrativo da experiência com cetamina, havendo evidência de que a aliança terapêutica é fortalecida durante e após a experiência;

  • Infusões de manutenção com cetamina.

    A cada 4 a 6 meses, novas infusões de cetamina são aplicadas, com efeito na manutenção dos resultados positivos observados na aplicação dos passos anteriores do modelo.



Gonçalo Soares
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