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Ketamina eficaz para depressão resistente ao tratamento, sugere mais um estudo

Ketamina eficaz para depressão resistente ao tratamento, sugere mais um estudo

26 de julho de 2023 6 minutos de leitura

  • Pedro Mota
  • Ketamina
  • Psiquiatria

(O texto que se segue diz respeito a investigação clínica com o psicadélico glutamatergico ketamina, baseada no artigo de Colleen et al. publicado na revista "The British Journal of Psychiatry" em 2023)

O uso de ketamina para tratar a depressão grave teve um forte desempenho em mais um estudo duplo-cego que a comparou com um placebo.

Num estudo publicado em julho no British Journal of Psychiatry, investigadores da UNSW Sydney e o afiliado Black Dog Institute concluiram que mais de um em cada cinco participantes alcançou a remissão total de seus sintomas após um mês de administrações bi-semanais, enquanto um terço teve os sintomas depressivos melhorados em pelo menos 50 por cento. O estudo foi uma colaboração entre seis unidades académicas que estudam perturbações do humor na Austrália e uma na Nova Zelândia e foi financiado pelo Conselho Nacional de Saúde e Investigação Médica da Austrália (NHMRC).

"Para pessoas com depressão resistente ao tratamento - ou seja, aqueles que não beneficiaram de diferentes abordagens psicoterapêuticas, antidepressivos comumente prescritos ou electroconvulsivoterapia - 20% de remissão é realmente muito bom", disse a investigadora principal, Professora Colleen Loo.

"Descobrimos que neste estudo, a ketamina foi claramente melhor do que o placebo - com 20 por cento a relatar que não apresentavam mais sintomas de depressão clinicamente objetiváveis em comparação com apenas 2 por cento no grupo placebo. Esta é uma diferença enorme e muito óbvia e traz resultados que traduzem evidência nesta área, em que, até à data, apenas ensaios com populações menores faziam esta comparação entre ketamina e o placebo."

Como funcionou o ensaio clínico

Os investigadores recrutaram 179 pessoas com depressão resistente ao tratamento. Todos receberam uma injeção de uma forma genérica de ketamina que já está amplamente disponível na Austrália como um medicamento para anestesia e sedação - ou um placebo. Os participantes receberam duas injeções por semana numa clínica onde foram monitorizados por cerca de duas horas, enquanto que os efeitos dissociativos e sedativos agudos se desvaneciam – geralmente ao final de uma hora. O tratamento durou um mês e os participantes foram solicitados a fazer uma avaliação psicométrica sobre o seu humor no final do estudo e um mês após.

Como se tratou de um estudo duplo-cego, nem os participantes nem os investigadores que administraram o medicamento sabiam quais os pacientes que receberam ketamina ou aqueles que receberam placebo, de forma a garantir que quaisquer potenciais vieses fossem minimizados. É importante ressalvar que foi escolhido um placebo que também causa sedação, para melhorar a ocultação do tratamento. O midazolam é um sedativo normalmente administrado antes de um anestésico geral, enquanto que em muitos estudos anteriores o placebo era apenas uma solução salina.

"Como não há efeitos subjetivos da solução salina, em estudos anteriores tornava-se óbvio quais as pessoas que estavam a receber ketamina e quais as que receberam placebo", afirmou a Professora Loo.

"Ao usar midazolam - que não é um tratamento utilizado para depressão, mas que faz as pessoas sentirem-se um pouco tontas e fora delas – acabam por ter muito menor probabilidade de saber se receberam efetivamente ketamina, que tem efeitos agudos semelhantes".

Outras características do estudo recente que o diferenca de estudos anteriores foi o facto de terem incluído pessoas no estudo que já haviam anteriormente recebido eletroconvulsivoterapia (ECT).

"As pessoas recebem tratamento de ECT para depressão quando todos os outros tratamentos foram ineficazes", relembra a Professora Loo – “a maioria dos estudos exclui as pessoas que fizeram ECT porque é muito difícil que um novo tratamento funcione quando a ECT não funcionou previamente”.

Outra diferença ressalvada pelo ensaio foi que o medicamento foi administrado por via subcutânea (injetado na pele) em vez de por infusão ou administração intramuscular, reduzindo consideravelmente o tempo e a complexidade médica. O estudo também é o maior do mundo até o momento que compara a ketamina com um placebo no tratamento da depressão grave.

Muito mais acessível

Além dos resultados positivos, um dos benefícios de destaque do uso de ketamina racémica genérica para depressão resistente ao tratamento é que é muito mais barata do que o spray nasal patenteado de S-ketamina (Esketamina) atualmente em uso clínico na Austrália e vários outros países do mundo [incluindo Portugal]. Enquanto a S-cetamina custa cerca de US$ 800 por dose, a ketamina genérica é uma mera fração disso, custando apenas cerca de US$ 5, dependendo do fornecedor e se o hospital a compra no atacado. Além do custo do medicamento, os pacientes precisam pagar pelos cuidados médicos que recebem para garantir que a sua experiência seja segura - o que nas clínicas do Black Dog Institute chega a custar cerca de US $ 350 por sessão.

"Com o spray nasal S-ketamina, os utentes podem pagar até cerca de US$ 1.200 por cada sessão de tratamento – incluindo o que paga pelo medicamento e pelo procedimento -, enquanto que para a ketamina genérica, os utentes pagam cerca de US$ 300-350 pelo tratamento, incluindo o custo dos medicamentos", refere a Professora Loo.

A principal autora acrescenta ainda que, tanto para os tratamentos com S-ketamina quanto com ketamina genérica, os efeitos positivos geralmente desaparecem após alguns dias ou semanas, portanto, requerendo uma administração repetida e, eventualmente, prolongada no tempo, dependendo da situação clínica da pessoa. Porém, os custos elevados do medicamento e do procedimento tornam essa proposta insustentável para a maioria dos utentes.

"É por isso que estamos a solicitar às seguradoras para financiar este tratamento agora, porque é um tratamento tão poderoso. E se se considerar que muitas dessas pessoas podem passar muitos meses no hospital, ou serem incapazes de trabalhar e muitas vezes acabam por apresentar comportamentos suicidas, acaba por se revelar bastante custo-eficaz quando nos apercebemos o quão incrivelmente rápida e poderosa a ketamina funciona. Vimos pessoas voltarem a trabalhar, estudar ou deixar o hospital por causa deste tratamento em questão de semanas."

Em seguida, os investigadores analisarão ensaios maiores utilizando ketamina por períodos mais longos e aperfeiçoarão a monitorização de segurança a tratamento.

Instituições que participaram no estudo: • UNSW / Black Dog Institute • Royal Prince Alfred Hospital / University of Sydney • NeuroCentrix Research Institute • Royal Adelaide Hospital / University of Adelaide • Monash Alfred Psychiatry Research Centre / Monash University • University of Otago • Gold Coast University Hospital

Instituições de colaboradores externos: • Deakin University • University of Newcastle • The George Institute for Global Health • University of Western Australia

Artigo original de Lachlan Gilbert, publicado na Science Daily a 14/07/2023. Tradução livre por Pedro Mota



Pedro Mota
Pedro Mota
Médico Psiquiatra | SPACE (Direção)

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